Série de sermões expositivos sobre o livro de Eclesiastes. Sermão Nº 15 – Aquilo que é torto em nossa porção. Eclesiastes 7:13-18. Pregação do Pastor Jairo Carvalho em 01/07/2020.
INTRODUÇÃO
Uma das pessoas graciosas que vamos encontrar no céu é o teólogo escocês Thomas Boston, falecido em 1732. Ele é admirado pela profundidade de sua teologia. Jonathan Edwards disse que a teologia de Boston o distingue como “verdadeiro e grande”.
Ele escreveu 12 volumes grossos sobre praticamente todas as doutrinas da fé cristã, ensinadas a partir de todos os livros da Bíblia e escreveu centenas de sermões.
Ele é admirado ainda mais por sua lealdade como pastor ao longo de mais de 25 anos na mesma igreja no interior da Escócia.
Mas ainda admirado sobretudo, por sua perseverança em todo sofrimento. Thomas Boston era um homem melancólico, que sofria temporadas de desencorajamento na vida cristã.
Muitas vezes, encontrava-se com problemas de saúde, mas mesmo assim nunca faltou ao púlpito, deixando de pregar.
Sua esposa sofria de uma doença crônica física e talvez também mental. Mas a maior provação do casal talvez tenha sido a morte de seus filhos: perderam seis de seus dez bebês.
Uma perda especialmente trágica. Boston já havia perdido um filho chamado Ebenézer, que, na Bíblia, significa: “Até aqui nos ajudou o Senhor”. (1Sm 7.12)
Quando a sua esposa deu à luz outro filho, ele cogitou chamar também este filho de Ebenézer. Mas o ministro hesitou.
Chamar o menino de Ebenézer seria um testemunho de esperança na fidelidade Deus. Mas e se essa criança também morresse e a família tivesse de enterrar outro Ebenézer?
Essa perda seria amarga demais para suportar. Pela fé, Boston decidiu chamar seu filho de Ebenézer.
No entanto, a criança vivia doente, e a despeito de orações intensas de seus pais, ela nunca se recuperou. Como escreveu Boston em seu diário: “agradou ao Senhor que ele também fosse removido de mim”.
Após sofrer tamanha perda, muitas pessoas estariam tentadas a acusar Deus de um erro ou a abandonar a fé, ou a, no mínimo, afastar-se do ministério por um tempo.
Mas não foi o que Thomas Boston fez. Ele acreditava tanto na bondade quanto na soberania de Deus. Assim, em vez de se afastar do Senhor em seu tempo de provação, ele se voltou para o Senhor pedindo ajuda e consolo.
A perseverança de Boston no sofrimento merece não só a nossa admiração, mas também a nossa imitação.
Uma maneira de aprender com seu exemplo é ler o seu clássico sermão sobre a soberania de Deus, que é um dos últimos textos que ele preparou para publicação antes de morrer.
Boston chamou seu sermão de A torção em nossa porção. Baseava-se na ordem e na pergunta que encontramos em Eclesiastes 7.13: “Atenta para as obras de Deus, pois quem poderá endireitar o que ele torceu?”.
Porque Deus fez algumas coisas que são tortas? O que Deus faz torto?
- DIAS BONS, DIAS RUINS
A ordem nesse versículo é um chamado para uma observação cuidadosa de como Deus opera. O homem que escreveu Eclesiastes observou o mundo em sua volta de forma meticulosa.
Ele estudou as estações da vida, aprendendo o tempo para isso e o tempo para aquilo. Observou como as pessoas trabalhavam e brincavam. Viu como viviam e como morriam.
Aqui em Eclesiastes 7, ele nos convida a contemplar a obrade Deus no mundo. Então, faz uma pergunta retórica: Quem tem o poder de endireitar o que Deus torceu?
A resposta é, evidentemente, ninguém. As coisas são como Deus quer que elas sejam; não temos a capacidade de nos impor ao Todo-poderoso. Então o que Deus fez torto?
- O queremos mudar.
Quando o Pregador fala sobre algo “torcido” ou “torto”, ele não está referindo a algo que tenha saído MORALMENTE DA LINHA COMO SE DEUS PUDESSE SER O AUTOR DO MAL.
Em vez disso, está falando sobre algum problema ou dificuldade na vida que gostaríamos de mudar, mas não conseguimos. Isso acontece com todos nós.
Lutamos com os limites físicos do nosso corpo. Sofremos o fim de relacionamentos pessoais ou familiares. Temos algo que preferiríamos não ter ou temos algo que gostaríamos de ter.
Mais cedo ou mais tarde, aparece algo na vida que gostaríamos que Deus mudasse. Qual é a única coisa que você mudaria em sua vida, se você tivesse o poder de mudá-la?
Segundo Eclesiastes, Deus deu a cada um de nós uma situação de vida diferente e para propósitos diferentes.
- Nossa porção de torção.
Thomas Boston o explicou desta maneira: “Existe certo curso de eventos que, pela PROVIDÊNCIA de Deus, cabe a cada um de nós durante a nossa vida neste mundo: e esta é a nossa PORÇÃO (parte, pedaço, parcela) que nos foi atribuída pelo Deus soberano”.
Todos nós temos a nossa própria porção na vida. Além do mais, todos nós temos coisas na vida que gostaríamos de mudar.
Nesse curso de eventos, alguns são contrários a nós, e ao que queremos; e estes representam a “torção em nossa porção”.
Enquanto estivermos aqui, haverá eventos contrários, como também eventos agradáveis, em nossa porção e nas nossas condições.
Às vezes, as coisas fluem suave e agradavelmente; mas, de vez em quando, há algum incidente que altera esse decurso, que nos irrita, que nos machuca.
A porção de todos neste mundo tem alguma coisa torta nela. Não há perfeição aqui, nenhuma porção fora do céu é sem alguma coisa torta.
Quando algumas pessoas ouvem essas palavras de Eclesiastes, elas supõem que o Pregador está sendo FATALISTA.
Algumas coisas são retas na vida, outras são tortas; mas sejam elas retas ou tortas, não há absolutamente nada que possamos fazer a esse respeito.
TUDO SE RESUME NA PROVIDENCIA SOBERANA EM SUA VONTADE ABSOLUTA. Portanto, essa passagem mostra o quanto somos impotentes diante de algumas circunstâncias que não podemos alterar.
E essa impotência não é fatalismo.Portanto precisamos ver esses versículos conforme a bondosa PRESCIÊNCIA e na PROVIDENCIA divina.
Em outras palavras o Pregador está nos dizendo que, independentemente de as coisas parecerem retas ou tortas, precisamos contemplar nossa situação em termos da vontade soberana de Deus.
Segundo Thomas Boston, se foi Deus quem criou algo torto na nossa porção, então precisamos ver essa coisa torta como Obra de Deus, que nós não podemos mudar.
Então aquilo que Deus considera próprio para estragar nós não conseguiremos consertar.
Isso é um meio apropriado para tratar com os homens e leva-los a satisfação quando se submeterem ao seu Criador e Soberano.
- Esperança na soberania.
Uma maneira de ver a diferença entre o desespero do fatalismo e a esperança da soberania divina é comparar Eclesiastes 7.13 ao que o Pregador disse lá no início, em Eclesiastes 1.15.
A formulação desse versículo é quase idêntica: “Aquilo que é torto não se pode endireitar”. Mas quando o Pregador disse isso pela primeira vez, ele estava excluindo Deus de sua visão.
Estava olhando para o mundo sem Deus e dizendo-nos como nada daquilo fazia sentido. Mas aqui, no capítulo 7, ele volta a incluir Deus na equação.
Ele está contemplando o mundo de acordo com Deus: está colocando tanto as coisas retas quanto as coisas tortas sob a sua soberania divina.
Continua sendo verdade, é claro, que não há nada que possamos fazer para endireitar as coisas tortas. Não podemos mudar o que Deus fez a não ser que Deus queira mudá-lo.
Estamos sob o poder do governante soberano e onipotente de todo o universo. Não temos o poder de mudar seu plano para a nossa vida, a não ser aceita-lo.
Mas longe de querer levar-nos ao desespero, a soberania de Deus nos dá esperança em todas as provações da vida. Sofremos a frustração da vida num mundo caído.
Mas a Bíblia diz que sofremos essas coisas pela vontade de um Deus que planeja nos libertar de toda essa futilidade e que está trabalhando para que tudo sirva para o nosso bem maior (veja Rm 8.20, 28).
Confiar na soberana bondade de Deus nos ajuda a saber como reagir a todas as alegrias e provações da vida. Não importa se estejamos tendo um dia bom ou ruim, há sempre uma maneira de glorificar a Deus.
- Desfrute e reconheça.
O Pregador diz: “No dia da prosperidade, goza do bem; mas, no dia da adversidade, considera em que Deus fez tanto este como aquele, para que o homem nada descubra do que há de vir depois dele” (Ec 7.14).
Ao dizer isso, Eclesiastes submete este dia e qualquer dia à soberania de Deus. Alguns dias são repletos de prosperidade. O sol brilha, os pássaros cantam e tudo está bem no mundo.
Há comida na mesa e dinheiro na conta. Se houver trabalho a fazer, trata-se do tipo de trabalho que gostamos de fazer. Se estivermos tirando um dia de folga, podemos passá-lo como bem quisermos, com as pessoas que amamos.
Cada um desses dias ‘’é um presente de Deus que nos chama para sermos alegres. Aqui o Pregador celebra o tipo de hedonismo sensato sobre o qual já falou várias vezes.
Cada dia lindo, cada refeição boa, cada vento financeiro favorável, cada boa conversa, cada experiência agradável, cada sucesso no ministerial, cada bênção, de qualquer tipo – é mais uma razão para devolver louvores e gratidão a Deus.
Ser alegre significa encontrar a nossa satisfação fundamental em Deus e então receber cada prazer na vida como dádiva de sua graça.
Evidentemente, nem todos os dias são assim. Alguns dias são repletos de adversidade em vez de prosperidade. O sol não brilha, os pássaros não cantam e nada parece estar bem no mundo.
Podemos ter comida na mesa, mas nenhum dinheiro na conta. O trabalho é um sofrimento, as férias são um tédio e talvez sintamos que não temos um único amigo no mundo.
No entanto, este dia também é um dia que vem das mãos de Deus, um dia que está sob o seu controle soberano.
O Pregador não tem coragem para nos dizer que devemos ser alegres num dia difícil, mas ele nos chama para uma contemplação sábia dos caminhos de Deus.
Quando surgir uma adversidade, reconheça que este também é um dia que o Senhor fez.
“Temos recebido o bem de Deus”, diz Jó no dia de sua adversidade, “e não receberíamos também o mal?” (Jó 2.10). Devemos RECONHECER que tanto os dias bons quanto os ruins vêm das mãos de Deus.
O Pregador diz também que é impossível sabermos o que acontecerá no futuro. Em vista daquilo que disse no início do versículo 14, podemos supor que as pessoas justas são aquelas que prosperarão, enquanto os ímpios sofrerão adversidades.
Contudo, o que acontece às vezes, é o exato oposto: os justos sofrem adversidades, e os ímpios prosperam. Por isso, é impossível prevermos o que acontecerá nos próximos dias.
Como diz o Pregador: “É possível que o homem nada descubra do que há de vir depois dele” (Ec 7.14). Não temos como saber se os dias vindouros nos trarão maior Prosperidade ou mais adversidades.
Viver com esse tipo de incerteza não precisa nos deixar ansiosos ou desesperados; deve antes ensinar-nos a deixar o nosso futuro nas mãos de Deus.
A maioria de nós preferiria controlar seu próprio destino. Em vez disso devemos confiar as nossas vidas aos cuidados do nosso amoroso Deus soberano.
Se fizermos isso, estaremos bem preparados para os dias bons e os dias ruins.
Em seus comentários sobre esse versículo, Martinho Lutero deu o seguinte conselho pastoral:
“Desfrute das coisas presentes de tal forma que você não baseie a sua confiança nelas, como se fossem durar para sempre… mas reserve parte do seu coração para Deus, para que com ele possamos suportar o dia da adversidade”.
Tudo isso faz parte do significado de “contemplar a obra de Deus”. Quando o Pregador nos instrui a “contemplar”, ele está nos dizendo que devemos fazer mais do que simplesmente ver o que Deus tem feito.
Ele está nos instruindo a aceitar o que Deus tem feito e a nos submeter a sua vontade soberana. Ele está nos instruindo a louvar a Deus por toda a nossa prosperidade e a confiar em Deus em cada adversidade.
O puritano Richard Baxter o expressou bem: “Tome o que ele lhe der / e louve ainda / no bem e no mal / que vive para sempre”.
- PERIGOS QUE PODEM NOS DESTRUIR.
O pregador quer nos ajudar a entender o porquê Deus nos dá uma porção de torção. Pois uma coisa é dizer que cremos na soberania de Deus, outra bem diferente é viver isso em um mundo que, muitas vezes, parece não ter sentido.
Assim que o Pregador nos instrui a contemplar as obras de Deus, aí ele parece que entra em conflito com a soberania de Deus.
Ele está nos dizendo a verdade sobre a vida, em toda a sua vaidade. Aqui ele nos diz que, às vezes, a vida parece desesperadamente injusta.
“Tudo isto vi nos dias da minha vaidade: há justo que perece na sua justiça, e há perverso que prolonga os seus dias na sua perversidade” (Ec 7.15).
Isso é exatamente o oposto daquilo que a maioria esperaria num mundo governado por um Deus bom e justo.
As pessoas justas são aquelas que deveriam regozijar em sua prosperidade, enquanto os ímpios deveriam sofrer adversidades até serem obrigados a reconhecer que Deus está no controle.
Em vez disso, vemos muitas vezes aquilo que o Pregador viu: que pessoas justas morrem precocemente, enquanto os ímpios continuam vivos.
Esse paradoxo parece contradizer o que a Bíblia diz em outras partes. Deus disse ao seu povo que, se fizesse o que ele diz, ele o abençoaria com uma vida longa na terra da promessa (p. ex., Dt 4.40).
Também ameaçou punir seus inimigos com a morte por causa de sua desobediência. Mas às vezes as coisas não são como deveriam ser.E a maioria das coisas não são como gostaríamos que fossem.
Pastores santos, sofrem o martírio por sua fé, enquanto seus inimigos vivem para aterrorizar a igreja por mais um dia. A burocracia acaba contribuindo para a corrupção.
Vítimas inocentes são mortas na primavera de suas vidas; seus assassinos são condenados, mas, em vez de morrer, passam o restante de suas vidas na prisão. Isso não é justo.
Essas INJUSTIÇAS são algumas das coisas tortas na vida que gostaríamos de endireitar. Mas sabendo que não somos capazes de fazer isso, o Pregador nos dá alguns conselhos práticos:
- Aprenda a viver corretamente.
“Não sejas demasiadamente justo, nem exageradamente sábio; por que te destruirias a ti mesmo’? Não sejas demasiadamente perverso, nem sejas louco; por que morrerias fora do teu tempo?” (Ec 7.16-17).
Alguns estudiosos acreditam que esses versículos são cínicos, e talvez sejam. Talvez o Pregador esteja dizendo:
“Veja, se os justos perecem enquanto os ímpios prosperam, para quê então ser bom? Aceite meu conselho: não tente ser o garoto exemplar. Não estou dizendo que deva ser mau, é claro.
Seria loucura desafiar o destino levando uma vida ímpia. Estou dizendo apenas que, se apenas os bons morrem jovens, então nada se pode ganhar tentando ser bom”.
Segundo essa interpretação, o Pregador está sugerindo “uma abordagem equilibrada à vida, não excessivamente zelosa em relação à sabedoria e à insensatez, justiça ou perversão”.
Esse tipo de raciocínio mundano concordaria perfeitamente com os FILÓSOFOS GREGOS E ROMANOS DA ANTIGUIDADE, que muitas vezes defendiam uma vida de moderação.
Não seja excessivamente bom nem excessivamente mau, eles diziam. Um excesso de piedade ou iniquidade levará a uma morte precoce.
Hoje em dia, muitas pessoas também pensam assim. São inteligentes o bastante para não viver uma vida de iniquidade total, pois no fundo acreditam que Deus julgará as pessoas por seus pecados.
No entanto, suspeitam secretamente que tentar ser santo deixaria a vida sem graça. Em termos gerais, tentam ser boas, e esperam ser boas o suficiente para salvar a sua pele no dia do juízo.
Mas suas consciências não se importam o bastante com seus pecados. Enquanto não forem EXCESSIVAMENTE JUSTAS ou EXCESSIVAMENTE ÍMPIAS, estão felizes do jeito que são.
Se é isso que o Pregador está querendo dizer, então ele deve estar contemplando a vida “debaixo do sol” mais uma vez, por ora, deixando Deus fora de cena e refletindo sobre o bem e o mal como faz o infiel.
Mas o pregador neste texto está nos ensinando o verdadeiro modo de viver, quando levamos Deus em conta.
2.Cuidado com a Hipocrisia da autojustiça.
Quando nos diz que não devemos ser “demasiadamente justos”, ele está nos dizendo para não sermos hipócritas.
Em termos gramaticais, a forma verbal que o Pregador usa no versículo 16 “não seja demasiadamente”, se referi a alguém que está apenas fingindo ser justo e representando ser sábio.
Nesse caso, a pessoa que o Pregador tem em mente é justo demais apenas em um sentido específico. Ele não possui a santidade verdadeira que vem por meio da fé, mas apenas a SANTIDADE HIPÓCRITA que vem por meio das obras.
Afinal de contas, se o padrão de Deus é a perfeição — se somos chamados para amá-lo com todo o nosso coração, alma, mente e força — então como alguém poderia ser “demasiadamente justo”?
Nosso real problema é pensar que somos mais justos do que realmente somos. De alguma forma, nunca parecem faltar pessoas que acreditam ser boas o suficiente para Deus.
Isso leva nos leva a suspeitar que havia um tipo específico de justiça estava começando a se manifestar em Israel.
Uma justiça exagerada que perdeu de vista as imperfeições pecaminosas nos homens e que sentia uma inclinação forte de discutir com Deus e de encontrar a culpa nele,pois aparentemente ele não estava castigando os ímpios e nem recompensando os homens justos que acreditavam merecer uma recompensa.
O Pregador nos adverte dizendo que não devemos ser HIPÓCRITAS. Não devemos pensar que nossa tentativa de sermos mais justos nos salvará no dia do juízo.
Tampouco devemos acreditar que somos tão justos a ponto de não merecer sofrer qualquer adversidade. E acharmos que é injusto para alguém como nós: ter algo torto em nossa porção.
Quando acreditamos ser bons demais, confiando em nossa justiça própria, é fácil dizermos: “Eu não mereço ser tratado assim. Eu não deveria ter essa dificuldade? Deus não sabe quem eu sou?”.
E daí falta pouco para dizermos: “Quem Deus pensa que é?”. Por isso, o Pregador nos aconselha a não sermos “demasiadamente justos”.
Ao dizer isso, ele nos alerta contra uma justiça que “está pronta para desafiar a Deus por seu erro de não nos recompensar” tanto quanto acreditamos merecer.
- Cuidado com os pecados deliberados.
Evidentemente, isso não significa que devemos ser injustos. O Pregador alerta contra esse erro no versículo 17, quando nos instrui a não sermos demasiadamente perversos.
Ele não está dizendo que podemos ser um pouco perversos, como se houvesse algum nível aceitável de iniquidade. Quando se trata de pecados, um pouco já é demais.
O que ele pretende dizer é que há um grande perigo de nos entregarmos ao mal. Uma coisa é pecar de vez em quando, como todos fazem.
O Pregador falará sobre isso no versículo 20: “Não há homem justo sobre a terra que faça o bem e que não peque”.
Mas existe um mundo de diferença entre cometer um pecado ocasionalmente e tomar a decisão deliberada de seguir uma vida de roubo, enganação, prazer e ganância. “Não seja tolo”, diz o Pregador, “se você viver em pecado, você perecerá”.
Portanto, há dois perigos. Um é uma tentação para a pessoa religiosa, de viver a hipocrisia da justiça própria. O outro é uma tentação ainda maior para a pessoa não piedosa de cometer a injustiça dos pecados deliberados.
Ambos os erros levam à destruição; podem até levar a uma morte precoce. Mas existe uma maneira de evitar esses dois perigos, e esta consiste em viver no temor de Deus.
- Cultive uma piedade saudável.
O pregador diz: “Bom é que retenhas isto e também daquilo não retires a mão; pois quem teme a Deus de tudo isto sai ileso” (Ec 7.18).
Esse versículo é difícil de entender, mas quando o Pregador nos instrui a “reter isto” e não “retirar a mão daquilo”, ele está nos remetendo ao conselho que deu nos versículos 16-17.
Ele está dizendo algo como: A vida correta, piedosa; segue o caminho entre dois extremos, evitando a hipocrisia da autojustiça, mas não permitindo que a “perversão inata” siga o seu rumo natural.
Se fizermos isso, evitaremos a morte e a destruição que certamente virão se vivermos em pecado e hipocrisia.
Para dizer isso de forma mais simples: a maneira correta de viver a piedade saudável é viver no temor de Deus. O temor do Senhor é o fundamento para se viver uma vida cristã autentica.
Observe no versículo 18 que a pessoa que “teme a Deus” escapará dos perigos da morte e da destruição.
O temor de Deus é um dos grandes temas da segunda parte de Eclesiastes, quando o livro avança da vaidade da vida para o temor de seu Criador.
Quando chegarmos ao fim de Eclesiastes, o Pregador nos instruirá a “temer a Deus e guardar os seus mandamentos” (Ec 12.13). Aqui, ele nos instrui a temer a Deus e a escapar do julgamento vindouro.
Temer a Deus significa amar e adorar a Deus. Significa saber que ele é Deus e que nós não somos. Significa admirá-lo por sua beleza majestosa. Significa respeitá-lo por seu poder maravilhoso.
Ter o temor verdadeiro e apropriado de Deus nos ajudará a não sermos tão farisaicos e nem libertinos. Nem legalistas e nem sem lei.
Saberemos que Deus nos vê como realmente somos, e isso nos ensinará a não fingir ser algo que não somos.
O temor de Deus também nos impede de levar uma vida perversa, poisquando entendemos a sua SANTIDADE, a última coisa que queremos é cair sob o seu julgamento.
III. PORQUE DEUS FAZ O QUE É TORTO?
Essa passagem começou com um chamado para contemplar a obra de Deus. Na medida em que contemplamos como Deus opera no mundo, ele nos ensina a maneira correta de viver.
Aprendemos a louvar a Deus pela prosperidade e a confiar em Deus nas adversidades. Aprendemos a levar uma vida em temor a Deus, uma vida livre de iniquidade e farisaísmo.
Levamos uma vida inteira para aprender essas lições. Mas a lição mais difícil talvez seja aquela que iniciamos no versículo 13:
aprender a ver além das nossas dificuldades atuais e a reconhecer a obra de Deus, aceitando todas as coisas tortas na vida até ele decidir endireitá-las.
No inicio deste capítulo, conhecemos Thomas Boston e seu sermão sobre Eclesiastes 7.13. Boston encerrou seu sermão apresentando uma lista com algumas das muitas razões pelas quais Deus faz algumas coisas tortas.
Tratava-se de lições bíblicas que ele havia confirmado por experiência própria de luto e dor — lições sobre os propósitos soberanos de Deus que podem nos ajudar em nosso sofrimento.
Por que Deus faz algumas coisas tortas, mesmo quando pedimos que ele as endireite?
Em primeiro lugar, as coisas tortas na vida são um teste para nos ajudar a determinar se realmente estamos confiando em Cristo para a nossa salvação.
Pense em Jó, por exemplo, que sofreu muitas provações dolorosas a fim de provar a autenticidade de sua fé. Nossos sofrimentos têm o mesmo propósito: pela graça de Deus, eles confirmam que estamos nos apoiando em Cristo.
Ou talvez eles revelem exatamente o oposto, que nunca confiamos plenamente em Cristo, mas mesmo assim precisamos confiar nele para a nossa salvação.
Em segundo lugar, quaisquer que sejam as torções em nossa porção terrena, elas afastam o nosso coração deste “mundo vão” e nos ensinam a buscar a nossa felicidade na vida vindoura.
O sofrimento faz parte do nosso preparo para a eternidade. Veja o filho pródigo, que voltou para casa de seu pai somente depois de perder tudo o que tinha.
Quando algo na vida parece torto, lembre-se que virá o dia em que Deus o endireitará todas as coisas. Nosso destino é a glória.
Em terceiro lugar, as coisas tortas na vida nos condenam pelos nossos pecados.
A razão pela qual existe o torto em tudo é porque há pecado no mundo, inclusive nosso próprio pecado.
Muitas vezes, o Espírito Santo usa as torções na nossa porção para tocar a nossa consciência, lembrando-nos de algum pecado especifico que precisamos confessar.
Lembre-se dos irmãos de José. Quando as coisas foram de mal a pior para eles no Egito, eles, de repente, lembraram-se de sua culpa perante Deus por terem vendido seu irmão para a escravidão muitos anos antes (veja Gn 42.21).
Seria um erro pensar que toda vez que sofremos é por causa de nossos pecados.
Mas seria igualmente errado perder a oportunidade, que todo sofrimento traz, para se arrepender por qualquer pecado que ainda não confessamos.
Em quarto lugar, as coisas tortas na vida podem corrigir-nos pelos nossos pecados.
Há momentos em que o sofrimento serve como instrumento da justiça de Deus, como uma punição (ou, para o crente, um castigo) por nosso pecado.
Foi assim com Davi após o assassinato de Urias: a espada jamais se afastou de sua casa (veja 2Sm 12.10).
Quando sofremos, isso pode ser uma consequência do nosso pecado, pelo qual nos encontramos sob o julgamento ou sob a disciplina de Deus.
Essas não são as únicas razões pelas quais Deus faz algumas coisas tortas. Thomas Boston mencionou várias outras.
Às vezes, Deus permite que soframos a fim de impedir que cometamos um pecado.
Ou a fim de revelar uma atitude pecaminosa do nosso coração que é tão profunda que ela só pode ser revelada por uma provação dolorosa.
Ou talvez — e essa é a razão mais feliz de todas — Deus coloque algo torto em nossa porção a fim de demonstrar sua graça em nossa santidade.
Boston chamou isso de “ataques a nossa preguiça espiritual”, em que as nossas graças permanecem adormecidas.
Mas quando temos algo torto em nossa porção, ele nos desperta do nosso sono espiritual e produz “muitos atos de fé, esperança, amor, altruísmo, resignação e outras graças”.
IV A MAIOR PORÇÃO DE TORÇÃO.
A intenção dessa lista de possíveis razões para o nosso sofrimento não é sugerir que sempre conseguimos entender por que Deus incluiu alguma coisa torta específica em nossa porção.
É dizer que Deus sabe por que a colocou ali. Quando algo na vida parece torto, costumamos ser rápidos em sugerir-lhe como endireitá-lo.
Em vez disso, devemos permitir que Deus nos endireite e essa é a prioridade de Deus; nos endireitar.
Em sua soberania sobre nosso sofrimento, Deus está trabalhando muito para realizar nosso bem espiritual, não só de uma forma, mas de muitas formas.
Portanto, somos chamados a confiar nele, até mesmo nas coisas que parecem tortas.
Sempre que tivermos dificuldades de acreditar que Deus sabe o que está fazendo, a primeira coisa a fazer é contemplar a obra do nosso Salvador– A MAIOR PORÇÃO DE TORÇÃO.
Lembre-se de que nosso Bom Pastor tinha algo torto em sua porção — algo torto que veio na forma de uma cruz.
Em sua oração no jardim do Getsêmani, Jesus perguntou ao seu Pai se havia alguma maneira de fazer reto o Calvário, em vez de torcido.
Mas não havia outra maneira. Quando Jesus contemplou a obra de Deus, ele reconheceu que a Única maneira de obter a expiação para o pecado do seu povo era morrer em seu lugar.
Assim Jesus sofreu a cruz, que era a porção que Deus lhe dera. E ele confiou em seu Pai esperando que ele endireitasse as coisas no tempo certo ressuscitando-o no terceiro dia.
Se Deus foi capaz de endireitar algo tão torto quanto uma cruz, então certamente podemos confiar que ele fará algo com o que é torto em nossa porção.
CONCLUSÃO
Esse foi o testemunho dado por James M. Boice na última vez que pregou em sua congregação na Filadélfia. Ele havia sido diagnosticado com um câncer fatal e agressivo; restavam-lhe poucas semanas de vida.
Esta era a coisa torta em sua porção. Assim, o Pastor Boice levantou uma pergunta torta em que se baseava na soberania e na bondade de Deus: “ Se Deus fizesse algo em sua vida”, ele perguntou, “você o mudaria?”.
Ou como o pregador o teria dito: “Se Deus lhe desse algo torto, você o endireitaria?”.
Bem, você endireitaria? Você mudaria sua deficiência ou doença? Você mudaria seu emprego ou a sua situação financeira?
Você mudaria a sua aparência ou as suas habilidades, ou alguma sua situação irreversível na sua vida?
Você trocaria sua família, por ser cheia de defeitos? Você trocaria a sua igreja por ser cheia de problemas?
Ou você confiaria a Deus todas as coisas tortas na sua vida e esperaria que ele as endireitasse, assim como Jesus o fez quando morreu por você na cruz?
O Dr. Boice respondeu a sua própria pergunta retórica testemunhando a bondade da vontade soberana de Deus.
Ele disse que se tentasse mudar O que Deus fez, o resultado não seria tão bom; apenas pioraria tudo.
O pregador que escreveu Eclesiastes disse algo parecido: “Atenta para as obras de Deus”, ele disse. Quem poderá endireitar o que ele torceu?”.
Nosso Salvador nos diria a mesma coisa: Quando você atenta para a obra de Deus”, ele diria, lembre-se do meu amor por você por meio da cruz, e confie no nosso Pai para endireitar tudo em seu tempo.”
Pois se você tentar mudar apenas vai piorar as coisas. Ficar com aquilo que Deus fez torto, te dará consolo, quando você confiar em Deus. Mas tentar endireitar o que Deus fez torto, vai te levar ao desespero.
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