Série de sermões expositivos sobre O Céu. Sermão Nº 156 – O sexto dia da criação: a criação do homem (Parte 130). Gn 1:27: a Bíblia versus o Secularismo (Parte 83). Pregação do Pastor Jairo Carvalho em 23/04/2025.
O CÉU – O SEXTO DIA – A CRIAÇÃO DO HOMEM – Parte 132
A bíblia versus o secularismo – LXXX (80)
Referência: Gênesis 1.27.
INTRODUÇÃO:
A obra literária de Dante Alighieri “A Divina Comédia”, escrita em 1304, é considerada uma das maiores obras da literatura mundial, com uma estrutura complexa e rica em simbolismos e alegorias. Dante utilizou sua vastidão de conhecimento e vivência para compor uma narrativa que transcende o tempo e o espaço. “A Divina Comédia” narra a jornada de Dante através do Inferno, Purgatório e Paraíso, guiado pelo poeta Virgílio e posteriormente por sua amada Beatriz. Esta obra é um reflexo do contexto social, político e religioso da época, além de ser uma profunda introspecção sobre a alma humana e sua busca pela vida eterna.
- Dante: O amor a fonte da inspiração.
Dante Alighieri nasceu em Florença no ano de 1265, de modo que sua história nos remete a 760 anos atras, quando a Idade Média estava chegando ao fim. As Cruzadas haviam despertado a Europa do sono de séculos; a literatura clássica começara a atrair seus devotos; as cidades livres haviam se estabelecido; havia em toda parte o alvoroço de uma nova vida política e religiosa. Mas era uma época de conflitos. Os Guelfos, o partido dos papas, e os Gibelinos, o partido dos imperadores, disputavam acaloradamente cada um o seu ponto de vista na cidade e no campo; embora na Itália os gibelinos fossem fortes nos distritos provinciais, enquanto os guelfos eram fortes nas cidades.
A família rica de Dante pertencia ao partido guelfo, o partido dos papas. A boa condição financeira lhe deu os meios para a mais alta educação que a época poderia oferecer; ele sempre esteve na linha de frente de seus contemporâneos, tanto na sociedade quanto na política. De sua juventude, temos apenas um único incidente — felizmente, esse foi o incidente mais importante de sua vida. Foi seu encontro com Beatriz[1].
Aos nove anos de idade, ele viu pela primeira vez a dama dos seus sonhos. Foi em um festival na casa do pai dela, o nobre Falco Portinari. Ela era apenas uma pequena donzela, não mais velha que ele, mas vestia-se de vermelho, e vê-la foi o despertar de seu espírito. O próximo encontro do qual temos registro ocorreu nove anos depois, e parece ter sido um encontro casual na rua, deixando apenas um olhar e uma palavra gentil para serem lembrados.
Não sabemos se Dante alguma vez pediu Beatriz em casamento; ela era uma estrela à parte, para ser observada de longe. Beatriz se casou com outro e morreu aos 24 anos. Ela provavelmente nunca soube da influência que exercia sobre Dante. No entanto, desde o dia daquele festival na casa de seu pai, Beatriz era a governante da alma dele. A imagem de Beatriz, com sua vestimenta vermelha, tornou-se uma visão recorrente em sua mente, uma fonte inesgotável de inspiração. Ele expressou seu amor eterno e idealizado por ela na forma de poesia lírica, permanecendo um exemplo de devoção pura e espiritual.
Dante capturou a essência de Beatriz em sua obra-prima “Vita Nuova[2]“, onde relata os encontros e o impacto profundo que ela teve em sua vida e obra. Sua poesia não apenas celebra Beatriz, mas também reflete os ideais elevados do amor cortês, transcendendo a realidade e elevando o espírito humano. Quando Beatriz faleceu, Dante foi consumido por uma dor imensurável e uma sensação de perda que nunca se dissipou completamente.
A morte de Beatriz marcou o fim de um capítulo, mas também o início de outro, mais profundo e introspectivo. Esta dor e reverência constante passaram a influenciar grandemente sua obra “A Divina Comédia”, onde Beatriz assume um papel celestial como guia espiritual de Dante através dos reinos do além. O bom senso não se misturava à sua paixão. Beatriz se tornou para ele o símbolo de toda a beleza espiritual, como deveria ser todo relacionamento puro entre um homem e uma mulher.
Ao chegar ao paraíso, ele é alçado de cada esfera inferior do céu para a imediatamente superior simplesmente por contemplar as profundezas transparentes dos olhos de Beatriz. “Os pensamentos da juventude são longos, longos os pensamentos”, e as resoluções então formadas muitas vezes se revelam as resoluções mais fortes de uma vida.Assim, os amores da juventude podem ser amores longos, longos. Uma afeição verdadeira nunca morre, e o salmista nunca falou com mais sinceridade do que quando disse: “O teu coração viverá para sempre”.
Aquele encontro no festival não foi a primeira, nem a última vez, que a visão de uma pequena donzela vestida de vermelho, rosa ou azul, virou a cabeça de algum grande homem, e assim mudou a face do mundo. Gostaria que pudéssemos dizer que Dante foi absolutamente fiel à memória de Beatriz. Mas a história e seus próprios reconhecimentos são demais para nós. Houve um breve período em que, possivelmente para distrair a mente após a morte dela, ele mergulhou em uma filosofia cética e cedeu aos atrativos dos sentidos. Uma rival, a quem ele chama de adversária da Razão, e que ele imagina como uma mulher à janela, absorveu temporariamente seus pensamentos. Mas o encanto não durou.
“A fé na humanidade
pulsava em seu sangue, e a confiança em todas as coisas elevadas
era fácil para ele, e embora ele tropeçasse e caísse,
ele não conseguia cegar sua alma com argila”.
Que lição nobre há no fato de a quebra do feitiço maligno coincidir com uma segunda visão de Beatriz! À medida que surge em sua imaginação a bela figura de seu amor perdido, ainda vestida de vermelho como ele a viu tanto tempo atrás, mas agora investida de uma pureza e glória que pertenciam ao céu e não à terra, as correntes da razão e da descrença parecem se desprender da alma de Dante.
- Dante: A comédia da graça divina.
Assim começa a nova vida, da qual a sua obra ” Vita Nuova” é a história. Beatriz, que o resgatou, torna-se para ele o anjo e ministro de Deus, a combinação perfeita da natureza e da graça, o símbolo e a personificação daquela sabedoria celestial que, sozinha, pode libertar o homem da angústia da dúvida e da degradação do pecado. Doravante, ele a identifica com a “filosofia divina” e, em sinal de sua renovada e perpétua fidelidade à sua primeira amada, escreve estas palavras:
“Apareceu-me uma visão maravilhosa, na qual vi coisas que me fizeram decidir não dizer mais nada sobre esta bendita até que pudesse tratá-la mais dignamente. E para chegar a isso, estudo o máximo que posso, pois ela sabe em verdade. De modo que, se for do agrado dAquele por quem todas as coisas vivem que minha vida dure um pouco mais, espero dizer dela o que nunca foi dito de nenhuma mulher. E que então agrade a Ele, que é o Senhor da bondade, que minha alma possa contemplar a glória de sua dama; isto é, aquela bendita Beatriz que contempla gloriosamente o rosto dAquele que é bendito para sempre!”
- Dante: A piedade da erudição.
“A Divina Comédia” é o monumento de Beatriz. Foi o trabalho de uma vida inteira. Foi preparada com piedade e estudos extensivos. O que se aplica a todo grande poeta, aplicava-se especialmente a Dante — ele era mestre de todo o desenvolvimento que existia no seu tempo. Deus dá para algumas mentes a capacidade de entender todo o tipo de conhecimento humano. Embora na Idade Média fosse mais fácil do que agora abranger todo o conhecimento humano, mas o acúmulo de conhecimento sempre foi muito grande, e isso em todas as épocas. Os pais da igreja e os grandes teólogos dos últimos 1000 anos estavam disponíveis. Tomás de Aquino[3] havia escrito sua obra imensa “Suma teológica “, com quem o poeta aprendera teologia. Aristóteles lhe forneceu sua filosofia. Dante se dedicou a estudar as escrituras sagradas e os princípios éticos, algo que viria a se refletir profundamente em sua obra. A combinação de seus estudos com sua experiência pessoal tornou-se a base sobre a qual erigiu o imenso edifício literário que é “A Divina Comédia”.
Dante possuía uma mente singularmente inquisitiva e uma sede insaciável por conhecimento, o que o levou a explorar diversas disciplinas e a mergulhar nos mistérios do cosmos, da natureza e da alma humana. Seus contemporâneos o reconheciam não apenas como um intelectual, mas também como alguém dotado de uma capacidade extraordinária de sintetizar e transformar o conhecimento em poesia. Seus escritos não eram apenas expressões artísticas, mas também veículos de profundas verdades filosóficas e espirituais.
Em sua jornada, Dante não estava apenas registrando suas próprias experiências, mas também oferecendo uma visão de redenção e iluminação à humanidade. Homero e Virgílio foram seus mestres em poesia. Ele era profundamente versado em história, tanto sagrada quanto secular. Tudo o que havia sido descoberto em ciências físicas, tudo o que era ensinado nas escolas em Medicina ou Direito, toda a cultura que a música, a pintura, a arquitetura e a escultura podiam proporcionar, tudo isso era propriedade de Dante.
- Dante: um soldado corajoso.
Contudo, mais do que isso, Dante era um homem entre os homens, um cidadão, um diplomata, um estadista. Grave, porém eloquente, sereno, porém capaz de decisões heroicas, um amante ardente de sua pátria e um soldado em sua defesa, ele possuía aquele vasto conhecimento dos negócios e aquela experiência da natureza humana que o qualificavam para falar ao coração de sua geração e, de fato, ao coração humano em todas as épocas e em todos os lugares.
Dante possuía, além disso, a sublime autoconfiança do gênio. Entrou despreocupadamente na companhia dos maiores poetas, conforme os encontrou no mundo espiritual. E, mesmo em Florença, quando lhe foi proposto enviá-lo em uma embaixada a Roma, ele respondeu: “Se eu for, quem fica? E se eu ficar, quem vai?”
- Dante: O exílio do peregrino.
Mas nem o estudo nem a vida política, por si só, o teriam qualificado para escrever seu grande poema. Foram necessários os duros golpes do exílio, da pobreza e do sofrimento para forjar o argumento de “A Divina Comédia”. No ano de 1300, Dante foi eleito um dos principais magistrados de Florença e, percebendo que sua cidade natal não poderia ter paz a menos que os líderes de suas facções fossem banidos, usou seus dois meses de breve autoridade para enviar esses líderes para além das fronteiras do Estado. Foi um ato patriótico e altruísta, pois entre eles, e em ambos os partidos, estavam certos de seus amigos que o apoiavam. Ele lutava pela justiça e contra corrupção do clero. Defendia a separação da igreja e do Estado.
Entre os Guelfos havia dois grupos: os guelfos brancos (eram os mais pobres e queriam uma igreja pura) e os negros. Estes últimos eram os mais ricos e se aproveitavam do apoio ao papa, pelo interesse financeiro.
Dante se opôs ao papa Bonifácio VIII, que assumiu o lugar do papa Celestino V (1294), que havia renunciado. Para Dante, esse novo pacto era símbolo de corrupção e interesse financeiro[4]. Dante lutou contra a injustiça, sem levar em conta as consequências, e quando a maré virou e seus inimigos retornaram ao poder, eles lhe deram a mesma medida que ele havia imposto a eles.
Em 1302 uma pesada multa foi imposta a ele e impossível de pagar. Quando se recusou a pagar, todos os seus bens foram confiscados e foi decretado que, se fosse encontrado novamente em Florença, ele deveria ser queimado vivo. Daí em diante, Dante tornou-se um andarilho pela face da Terra. Em 1310, parece ter ido para Paris, talvez para Oxford. Após seu retorno, foi-lhe oferecida anistia, sob a condição de pagar uma multa e reconhecer sua criminalidade. Mas ele se recusou a entrar em Florença, exceto com honra: “Os meios de subsistência não me faltarão“, disse ele. “De qualquer forma, poderei contemplar o sol e as estrelas e meditar sobre as mais doces verdades da filosofia.”
Neste período como andarilho, que durou aproximadamente 20 anos, Dante dependia da hospitalidade dos príncipes e senhores da Itália, deslocando-se frequentemente de norte a sul da Itália. Apesar da adversidade, sua mente não estava ociosa. Ele continuava a estudar e a escrever, mantendo-se fiel às suas convicções e à sua arte. A composição de “A Divina Comédia” seguia, e suas experiências durante o exílio enriqueciam o conteúdo do poema, imbuindo-o de uma profundidade emocional e de uma visão penetrante da condição humana.
Dante manteve correspondências com diversos intelectuais e políticos da época, e sua reputação como pensador e poeta crescia mesmo enquanto sua vida pessoal estava repleta de desafios. Ele encontrou consolo na vida de oração e nas escrituras. Ele se regozijava na poesia, na filosofia e na contemplação das verdades eternas, procurando sempre compreender e superar a miséria que o cercava. Sua obra espelhava suas próprias jornadas espirituais e físicas, tornando-se um reflexo de suas lutas internas e externas.
Dante era filho de Florença, de quem era o mais verdadeiro patriota e seu maior homem, expulso por uma mãe desamorosa, embora cada pedra de suas ruas e cada palmo de seu solo fossem sagrados para ele como não poderiam ser para nenhum outro. Dante se tornou um gibelino na esperança de que a vinda do imperador restaurasse a autoridade justa e corrigisse o erro. Agora um peregrino, e exposto a todos os “ataques e flechas da fortuna ultrajante”, ele vagou de uma pequena corte gibelina para outra, ilustrando muito bem as palavras de sua própria profecia:
Terás a prova de quão salgado é
o pão dos outros, e de quão difícil é o caminho
de subir e descer as escadas dos outros.
As linhas suaves de seu retrato juvenil endureceram e se aprofundaram no semblante triste e severo de seus últimos anos. A própria dignidade de sua natureza, que proibia queixas externas, o lançou para dentro de si mesmo. Raramente ele sorria, e sorria de um jeito como se desprezasse sua natureza, que podia ser movida a sorrir para qualquer coisa. No entanto, Dante nunca se tornou amargurado ou desesperado. À medida que a escuridão exterior de sua sorte se aprofundava ao seu redor, uma “luz que nunca esteve no mar ou na terra” “brilhava tanto mais em seu interior”, e
Enquanto caminhava para cima e para baixo no norte da Itália, deixando tradições de suas jornadas ligadas a muitos castelos em ruínas e torrentes de montanha, abriam-se diante de sua visão grandes verdades a respeito de Deus e seus julgamentos. Dante acumulava vasto conhecimento da natureza e do coração humano. Sim, ele mapeava o céu, a terra e o inferno para as gerações vindouras. Não há dúvida de que ele se considerava uma espécie de poeta-profeta. Das esferas celestiais, ele olhava para esta terra de provações e peneirações e via o significado dela:
A eira que tanto nos orgulha
Para mim, girando com os gêmeos eternos.
Era toda aparente, feita da colina ao porto.
E assim, estava sendo forjada a “A Divina Comédia” e dando-lhe forma, ele passou quase vinte anos de doloroso exílio, até que finalmente, longe de casa, em Ravena, no ano de 1321, e com a idade de cinquenta e sete anos, Dante Alighieri morreu de malária.
CONCLUSÃO:
Dante nos mostra a verdadeira comédia da graça divina, que nos conduz a Jesus Cristo. Romanos 8:28 diz: “Sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados de acordo com o seu propósito”. Deus usou todas as circunstâncias da vida de Dante para conduzi-lo ao um propósito glorioso. Dá às gerações futuras um romance que mostra a importância da busca da vida eterna. Dante tinha o principal objetivo de mostrar o triunfo da fé. Que o Paraíso e a recompensa dos fiéis. Que aqueles que confiaram na razão somente caíram na perdição eterna.
[1] Embora o nome Beatriz não aparece na biblia. O nome tem origem latina, do termo “beatus”, que significa “aquele que traz felicidade” ou “aquele que faz os outros felizes”. Também pode ser associado à palavra “viajante” ou “peregrina”, com a ideia de alguém que se desloca em busca de algo positivo.
Origem e Significado: Latim: “Beatus” (feliz, abençoado). “Aquele que traz felicidade”, “aquele que faz os outros felizes”. Outras interpretações: “Viajante”, “peregrina”.
[2] Vita Nuova é a obra de juventude do poeta italiano Dante Alighieri, escrita provavelmente entre 1292 e 1293, na qual ele narra a história de seu amor por Beatrice Portinari, a filha de Folco Portinari, um nobre da cidade de Florença. Um amor platônico, que nunca foi correspondido.
[3] Tomás de Aquino, em italiano Tommaso d’Aquino ( 1225 – 1274), foi um frade católico italiano da Ordem dos Pregadores (dominicano), cujas obras tiveram enorme influência na teologia e na filosofia, principalmente na tradição conhecida como Escolástica, e que, por isso, é conhecido como “Doctor Angelicus”, “Doctor Communis” e “Doctor Universalis”. Tomás de Aquino tinha abordagens diferentes para com seus antecedentes como Agostinho de Hipona, pois conciliava a fé com a razão. Seu pensamento teológico e filosófico inspiraram inúmeras gerações de pensadores. Seu magnum opus é chamado Suma Teológica.
A Summa Theologica de Tomás de Aquino é amplamente considerada uma das obras mais influentes e significativas da história da filosofia e da teologia. É um texto fundamental na história intelectual católica e moldou o pensamento cristão durante séculos.
[4] https://guiaflorenca.net/curiosidades/o-exilio-de-dante-alighieri/