Série de sermões expositivos sobre O Céu. Sermão Nº 120–  O sexto dia da criação: a criação do homem (Parte 96).  Gn 1:27: a Bíblia versus o Secularismo (Parte 47). Pregação do Pastor Jairo Carvalho em 03/04/2024.

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INTRODUÇÃO

Continuaremos a análise teológica do romance “O Fausto de Goethe”, publicado em 1808 na Alemanha.

O Fausto de Goethe é tradicionalmente visto como um hino e a epítome do idealismo alemão.

O idealismo sustenta que a realidade e o conhecimento estão intrinsecamente ligados ao eu e que, por meio da autoconsciência, os indivíduos podem alcançar a liberdade e a autodeterminação por meio da razão.

De acordo com esta leitura, Fausto é o arquétipo do Homem Ocidental Moderno que, à força do seu esforço incessante, cria a si mesmo e ao seu mundo por um ato de pura vontade, atingindo assim o objetivo mais elevado da humanidade, realizando o propósito ou fim de toda a atividade humana.

Que é visto como a auto-realização da perfeição individual, o cultivo até o grau máximo de todo o potencial latente de alguém.

Assim Fausto se torna um absoluto, assim se diz, cuja vontade é soberana. . . uma lei para si mesmo, um Prometeu[1] moderno.

O Fausto revela a força motriz por traz da apostasia da modernidade, que se juntou com os esforços satânicos e se levantou com contra Deus e sua palavra.

  1. A inversão da premissa bíblica.

Para contextualizar este estranho mundo novo, “modernidade”, Goethe aplica o maravilhoso conceito de inverter a premissa do Livro de Jó.

Para tentar o homem justo de Uz, o Satanás bíblico tira dele tudo o que o homem antigo poderia precisar (riqueza, filhos e saúde).

Em vez disso, o Mefistófeles (diabo) de Goethe tenta Fausto, oferecendo-lhe tudo o que o homem moderno poderia desejar.

Os modernistas, sugere Goethe, alcançaram um tipo de liberdade inimaginável para os antigos, mas tornaram-se vítimas dessa falsa liberdade.

Este paralelismo entre Jó e Fausto é profundo e rico. Jó era um homem “de todo o coração” e “justo” que “evitava o mal”.

Fausto está livre do pecado da autocomplacência, que Goethe considera o pecado decisivo dos modernos.

Jó estará perdido se ele lamentar demais sua perda e amaldiçoar a Deus; Fausto estará perdido se desfrutar excessivamente de sua bênção – que seria encontrar um prazer que o satisfizesse.

De acordo com seu pacto com o demônio Mefistófeles, sua alma estará perdida caso ele fique tão satisfeito com os presentes do diabo a ponto de lamentar a curta duração desse prazer.

Jó lamenta a perda dos filhos que constituem a continuidade da sua própria vida; o Fausto, sem filhos, luta para abraçar a vida – é isso que ele deseja, inicialmente não é sexo, dinheiro ou fama que ele quer – mas não consegue encontrar sentido na vida.

Quando Fausto faz a proposta para Mefistófeles, ele se distancia da piedade do Jó bíblico que era fiel. Fausto agora vai se envolver com uma amante a quem ele seduz e tira sua pureza de forma trágica.

Antes que Fausto esteja pronto para a grande aposta com o diabo, porém, ele primeiro deve rejeitar o gnosticismo (a idolatria da razão, o desejo de conhecimento oculto e científico); na verdade, ele deve aprender que esta forma de idolatria é o repúdio à vida.

Faustiana é a aflição espiritual que o protagonista de Goethe deve superar para ser um adversário digno do diabo. Um demônio pior que o Diabo.

Como um dos homens mais importantes da ciência do seu tempo, Goethe compreendeu bem as pretensões idolatras do mundo moderno de usar a razão para resolver e dominar tudo.

Considerando que o ocultismo estava ganhando espaço no coração dos nomes da ciência, Fausto faz a tentativa fracassada de usar os poderes do demônio para dominar a natureza, por meio da magia.

Coisa em nossa cultura marxista tem ganhado cada vez mais espaço. O satanismo tem sido apreciado tanto por Marx e por grande parte de seus camaradas.

  1. A ilusão do progresso infinito.

O início da salvação de Fausto é o seu reconhecimento de que a visão sedutora da “harmonia total e imortal” é uma ilusão. Ele pergunta:

Oh! como posso contemplar -te, natureza sem limites? onde te abraçar?

Vós, fontes de toda a vida, cujas marés vivas

Alimentam o céu e a terra: o seio murcho anseia

Para saborear seu frescor! Vocês fluem brilhando,

E ainda assim eu ofego em vão.

O homem vê apenas “a veste viva de Deus” (compare o Salmo 102), mas não consegue compreender completamente a própria natureza, como o Espírito da Terra adverte Fausto.

A tentativa gnóstica (razão humana) de alcançar o transcendente através da penetração nos segredos da natureza só pode levar ao desespero e quase leva Fausto ao suicídio.

Para Fausto, a busca pelo conhecimento oculto e onisciente leva apenas ao repúdio pela vida, ao puro desespero, ao vazio existencial.

A complacência que Goethe coloca em primeiro lugar na lista de ofensas começa com a nossa adoração idólatra dos nossos próprios poderes racionais de descoberta, a nossa presunção de que a terra não é do Senhor, mas nossa.

A nova religião da ciência que floresceu no final do século XVIII ofereceu ao antigo gnosticismo numa nova embalagem.

A razão não guiada apenas permite que o homem seja mais bestial do que qualquer animal, como brinca o demônio Mefistófeles.

A AUTOCOMPLACÊNCIA surge da AUTOADORAÇÃO, e é por isso que Goethe coloca a preguiça (autoindulgência) no topo da lista dos pecados capitais.

É, portanto, a inquietação agostiniana de Fausto que lhe permite ser salvo. Ele não é seduzido pelas falsas promessas da fé substituta do gnosticismo, ou não haveria drama, nem ele alcança a fé, pois nesse ponto o drama terminaria.

Como os patinadores que aceleram sobre o fino gelo marinho apenas rápido o suficiente para evitar que ele se quebre, Fausto permanece na fronteira da fé.

Arrasado pelo encontro com o Espírito da Terra, ele leva um frasco de veneno aos lábios, mas é chamado de volta à vida pelo som dos sinos da igreja na manhã de Páscoa.

Ele recorda o sentimento de fé da sua juventude, embora já não consiga acreditar em si mesmo, depois do seu mestrado e doutorado.

Mais tarde, quando sua amante Gretchen pergunta sobre sua religião, ele oferece um desvio panteísta. Já que o panteísmo será o solo onde nasce a filosofia dos teóricos alemães, que vai influenciar vários ramos da ciência.

A vida de Goethe, observou um grande teólogo judeu-alemão, foi “uma passagem ao longo de uma crista entre dois abismos. Entre a fé e a razão.

No final ele finalmente consegue colocar o pé em terra sólida e duradoura onde ele vai firmar sua fé pelo resto de sua vida.

Qualquer outra pessoa certamente teria caído em um dos abismos que se abrem em ambos os lados da cordilheira, a menos que fosse sustentado pelos braços do amor divino que o ajudou a dar o salto para o eterno.”

Tal como Goethe, Fausto permaneceu suspenso entre a fé e o egoísmo racional. Rosenzweig brinca que Nietzsche não teve tanta sorte. Goethe passou, “mas tente segui-lo”.

Uma pequena placa memorial foi erguida neste cume. A placa alerta qualquer futuro viajante que tenha subido o cume contra outra tentativa depois de Goethe de seguir o caminho de Goethe, confiando no passo dos próprios pés, como um filho puro desta terra, sem as asas da fé e do amor.

Para ampliar essa imagem, Fausto está entre dois abismos. De um lado está a fé, que tornaria o drama irrelevante (resolveria sua angústia), e do outro, o culto aos seus próprios poderes racionais, que o trairiam nas garras do diabo.

Fausto perdeu a fé na ciência, o ídolo preferido do homem moderno, e diz isso em suas primeiras falas no palco (“Eu, pobre tolo, sou tão estúpido quanto antes de começar a estudar”), concluindo: “Podemos não sei de nada.”

Embora ele tenha muitas dúvidas, mas a possibilidade de ele voltar a crer o mantém vivo. O antigo Jó começa com um teste de sua fé; o Jó moderno começa abandonando a fé no ídolo da ciência.

Fausto não tem fé, mas também não é enredado pelos falsos substitutos da fé. Ele não tem vida, mas deseja desesperadamente entrar nela. A busca de Fausto pelo significado da vida é o tema da tragédia propriamente dita.

  1. O fracasso na busca do conhecimento.

O fracasso de Fausto, em sua busca pelo conhecimento é apenas um prelúdio para a ação dramática principal, que começa com seu pacto com Mefistófeles.

Inicialmente Fausto sente a sua inquietação não como um anseio por Deus, mas como um anseio pela segunda melhor coisa: a vida, a vida real da humanidade, em oposição ao pobre substituto da vida encarnado na busca pelo conhecimento.

Tornou a vida odiosa para Fausto, como ele diz a Mefistófeles:

A existência parece um fardo a ser detestado,

 A morte a ser desejada, a vida uma piada odiosa.

Ele está pronto para amaldiçoar tudo, numa aparente emulação de Jó 3:

Maldito seja o bálsamo da uva!

Amaldiçoado, o maior prêmio do escravo dos amantes!

Uma maldição sobre a fé! Uma maldição sobre a esperança!

Uma maldição à paciência, acima de tudo!

Mas a morte ainda é “um convidado indesejável”, observa Mefistófeles, que sabe que Fausto, embora não seja capaz de ter fé, foi salvo pela memória (que é o mesmo que a esperança) da fé.

Ele oferece a Fausto seu contrato padrão (“Eu sirvo você aqui e você me serve na vida após a morte”), que Fausto rejeita com desprezo:

O que você pode dar, seu demônio miserável?

Pode o elevado espírito do homem,

Cheio de anseios imortais, ser

compreendido por tal como tu és?

Em vez disso, ele propõe uma barganha totalmente diferente:

Se alguma vez eu me deitar complacente em uma cama de indolência,

então deixe-me terminar naquele mesmo momento.

Se pela lisonja você puder me enganar

Com uma auto-admiração complacente,

E me enganar com prazer,

Então que esse seja meu último dia!

Essa é a aposta que lhe ofereço!

O que Fausto quer agora não é conhecimento, mas vida prazerosa:

O que é distribuído a toda a humanidade,

Eu desfrutaria no mais íntimo de meu ser,

Agarraria o mais elevado e o mais baixo com meu espírito,

E traria seu bem-estar e sua desgraça para meu próprio peito.

O demônio Mefistófeles responde a isso com espanto e desprezo. Meros mortais, diz ele a Fausto, não conseguem digerir a vida, ele expressa seu cinismo contra a criação divina.

Acredite em mim, que durante milênios

Mastigou esta crosta dura:

Do berço ao túmulo

Nenhum homem jamais foi capaz de digerir esta massa fermentada!

Acredite em nossa espécie: tudo isso

Foi feito apenas para um Deus!

Ele se deleita na luz eterna.

Ele nos derrubou na escuridão,

Enquanto tudo o que você consegue é dia e noite.

  1. A mentira milenar do Demônio.

A réplica do demônio Mefistófeles é sutil e insidiosa, da mesma maneira que a serpente fez com Eva e Adão no Éden. O demônio oferece a Fausto três tentações principais:

  • Primeiro, o amor puro da inocente Gretchen; que ele teve que seduzir.
  • Segundo, a beleza clássica (fecundidade artística) de Helena de Tróia;
  • E terceiro, a criação de uma nova terra e de um novo povo de acordo com os seus desejos (uma imitação do céu- o desejo do céu secular).

Tudo isso falha, e acaba aumentado o vazio da alma de Fausto, pois o demônio não tem como cumprir promessas, ele é um mentiroso desde o inicio como disse Jesus.

O amor ajudado por Mefistófeles, foi um sentimento irresponsável que leva à loucura, ao infanticídio e à execução de Gretchen sua amada.

O filho da união de Fausto com Helena de troia é muito instável (bestial) para viver, e sua morte faz com que Helena volte às trevas.

E a maior tentação de Fausto, recuperar terras ao mar para que um povo livre possa “conquistar diariamente a liberdade e também a vida”, é envenenada pelos meios brutais necessários para fazer avançar o projeto.

Aqui temo uma pressagio do totalitarismo ditatorial do comunismo marxista desenvolvido por outro amante de Mefistófeles, Karl Marx.

  1. A engenharia espiritual da academia.

No final, a alma de Fausto é levada a Deus por anjos que cantam: Podemos redimir aquele que se esforça (busca). A tragédia desse romance é o resultado da engenharia espiritual e social da sociedade acadêmica daquele tempo.

Nem o amor do romantismo, nem o empirismo filosófico, nem os ideais iluministas,  nem a concepção clássica da arte e da beleza, nem a sua união nas pessoas de Fausto e Helena serão suficientes.

O pior de tudo é a tentativa de pôr em prática o que Goethe ansiava no seu poema juvenil “Prometheus” – um novo homem livre do pecado da complacência, que “merece a liberdade e a vida porque deve conquistá-las todos os dias”.

Sua leitura do personagem de Fausto é consistente com importantes vertentes de interpretação do Livro de Jó.

Fausto errou ao tentar aprender os segredos da natureza. A criação está muito além da compreensão da razão humana.

  1. A compreensão da criação divina.

A interpretação judaica tradicional atribui um pecado análogo a Jó, pois os sábios judeus não podiam aceitar a ideia de que Deus infligiria tal miséria a um homem inteiramente inocente.

Como argumentou o rabino Joseph Soloveitchik em Halakhic Man , Jó peca ao exigir uma explicação de causa e efeito para sua miséria:

Jó, que se enfureceu contra o Céu porque procurou prestar contas do mundo e errou, aceita sobre si o julgamento divino. “Quem é que esconde conselho sem conhecimento?

Por isso pronunciei coisas que não entendia, coisas maravilhosas demais para mim, que eu não conhecia” (Jó 42:3).

Ele pecou com sua aventura orgulhosa e excessivamente ousada de captar e compreender o segredo do cosmos (criação); ele confessa e volta a Deus com a descoberta do mistério do mundo criado e da sua incapacidade de compreender esse mistério.

‘Portanto abomino minhas palavras e me arrependo, visto que sou pó e cinza.’

Jó perdeu a riqueza, os filhos e a saúde, mas também perdeu a confiança de que pode influenciar Deus através de sacrifícios e outros atos de propiciação.

Como Fausto, ele perdeu o poder sobre a natureza e, como Fausto, sua resposta é repudiar a vida: “

Que pereça o dia em que nasci, e a noite em que foi dito: ‘Há um filho homem concebido.’ Que esse dia seja escuridão; não deixe Deus olhar para isso do alto, nem deixe a luz brilhar sobre ele.

A esposa de Jó já o aconselhou: “Amaldiçoe a Deus e morra”, o que Jó chama de “tolice”.

Foi uma tolice, pois o homem antigo percebeu um Deus remoto cujas ações eram indistinguíveis do destino, e amaldiçoar o próprio destino é uma tolice.

Jó não pode aceitar que o destino cego o tenha prejudicado, mas também não pode dirigir-se a Deus, pois Deus é uma força distante que deve ser respeitada, mas não amada.

Como observam vários críticos, embora os amigos de Jó usem os nomes genéricos para Deus, Elohim ou El Shaddai, Jó usa o nome pessoal YHWH.

O que constitui a virtude de Jó nessas circunstâncias? Por um lado, ele evita a resposta pagã, de amaldiçoar a Deus.

Por outro lado, ele evita a resposta dos seus amigos, que insistem que a simples causa e efeito devem explicar a sua situação. Identifique o pecado pelo qual Deus o puniu, dizem a Jó, e arrependa-se, e tudo ficará bem.

A descrição de Soloveitchik do pecado de Jó se aplica melhor aos seus amigos do que ao próprio Jó: embora Jó procure uma explicação para sua calamidade, ele se recusa a aceitar explicações fáceis.

Ele se recusa a culpar-se pelos pecados que deve ter cometido para merecer tal punição, pois não conhece tais pecados. Ele também não amaldiçoará seu destino.

Ele permanece, por assim dizer, num cume entre dois abismos, entre a exigência pecaminosa de conhecer a intenção mais íntima de Deus e o indiferentismo pagão para com Deus.

Jó ocupa assim uma posição ambivalente semelhante à de Fausto. Ele não ficará satisfeito nem com a investigação pecaminosa nem com a mera resignação.

Jó não consegue resolver a tensão sozinho, e a resposta à sua pergunta vem na forma do aparecimento do próprio Deus.

Deus não precisa dar mais resposta do que a sua presença, e é o ato de endereço direto de Jó a Deus que transforma e redime o homem.

Isso é exatamente o que Deus exige de Jó: “Cinge agora os teus lombos como homem; pois eu te exigirei e tu me declararás”.

Talvez seja por isso que Jó e Fausto continuam a fascinar a imaginação literária. A sua luta interna, e não as meras circunstâncias externas das suas histórias, mostra as dificuldades dos melhores homens à beira da fé.

Se Fausto fosse um homem de fé ou um puro egoísta, seu personagem não teria interesse e não haveria drama. Se Jó fosse um santo que sofreu arbitrariamente, sua história não pertenceria à Bíblia.

Fausto é um homem sedento, seduzido por Satanás, que pode ser salvo se for fiel à inquietação agostiniana do seu coração.

A luta de Fausto pela vida ajuda-nos a romper o véu empoeirado dos tempos antigos e a ver em Jó a mesma disputa de vida e morte, fé e desespero que nós, modernos, devemos suportar. 

  1. A salvação faustiana.

A cena do início de Fausto: Parte Dois compreende um passo crucial para a salvação de Fausto, o insight decisivo que removerá os obstáculos arrogantes que o questionador gnóstico vinha colocando no caminho da graça divina.

Fausto desperta do que parece ter sido um longo sono terapêutico após a tragédia de Gretchen. Ele está deitado em um lindo prado perto de um riacho e uma cachoeira.

Ao acordar, ele tenta olhar para o sol nascente, mas isso o cega dolorosamente. Ele vira as costas para o sol e percebe que o respingo da cachoeira, que estava atrás dele, refrata a luz do sol, criando assim um lindo arco-íris.

O significado simbólico do arco-íris surge em Fausto com o poder de uma inspiração: “Isso reflete todas as aspirações da ação humana”, proclama Fausto.

“Nisto sua mente, para uma visão mais clara, fixe-se: / Que a vida é nossa por refração colorida”

“A vida é nossa por refração colorida.” Fausto aprendeu agora a verdade sobre suas tentativas de abordar o absoluto diretamente, de ficar “atrás” dos fenômenos, por assim dizer, a fim de ver o que Kant chamou de reino numenal (essências, coisas como são em si mesmas).

Ele percebe que essas suas tentativas, seja através do estudo acadêmico, da magia, do sentimento, da natureza, da inocência feminina ou da beleza feminina, foram todas equivocadas, e ele renúncia completamente todas essas coisas.

O homem não pode ver a “essência das coisas como elas são” da mesma forma que não pode olhar diretamente para o sol.

Mas isso significa que o homem nunca poderá conhecer a verdade?

Que a relação entre os mundos fenomênico e numenal, isto é, entre as coisas como elas realmente são em si mesmas e como nos aparecem, é, como muitos estudantes de Kant acreditaram, a relação tênue da impressão subjetiva determinada pela própria estrutura da mente?

Ou que a verdade é apenas uma criação da nossa mente? Absolutamente não!

Pois embora os raios do sol possam nos machucar e cegar quando olhamos diretamente, essa mesma luz pode ser vista, e até mesmo apreciada em sua beleza, quando refratada no arco-íris colorido.

É neste mundo empírico, Fausto percebe agora, que o homem contacta simbolicamente o absoluto. . . e um símbolo, lembramos, é para Goethe uma manifestação concreta e verdadeira no tempo e no espaço da realidade transcendental, eterna e infinita.

Goethe acreditava ser real apenas aquilo que é simbólico e vice-versa. Assim, a mensagem final de Fausto é que o mundo real, tal como o percebemos, é o símbolo, a epifania, o quase sacramento do Divino, assim como a refração de um arco-íris é o “símbolo” da pura luz solar.

Mas Fausto não para por aqui. Ele não está satisfeito apenas em conhecer esta nova verdade. . . isso ainda seria gnosticismo, conhecimento por si só. Não . . . Fausto aplicará esse insight e o viverá na vida.

É exatamente aqui que entra “No princípio era a ação”, que ele traduz o texto grego de João 1, que diz que no princípio era o verbo.

A ação, para Fausto, representa o dever do homem de aceitar este mundo e trabalhar criativamente dentro dele, recapitulando assim em um nível humano o ato divino de criação no plano cósmico.

Fausto, através da escritura (bíblia) que produz todo bem; isto é, através de atividades socialmente úteis, benevolentes e humanas. . . apropria-se da realidade empírica e dá sentido à vida para si e para a comunidade confiada a ele pelo imperador aos seus cuidados.

Fausto, que antes buscava o absoluto através da busca gnóstica (conhecimento racional), agora o encontra criando novas terras para seu povo, construindo diques, drenando pântanos, fundando cidades e enviando navios carregados de mercadorias.

É dever do homem, dissemos, aceitar este mundo e trabalhar dentro dos seus limites temporais e espaciais.

Na humildade desta aceitação reside também, Fausto percebe, a aceitação do fato de que o projeto humano nunca alcançará a consumação e a perfeição aqui na terra.

Todo esforço humano, ele aprende por amarga experiência, será acompanhado de tristeza, carência, culpa, preocupação e cuidado; e pelo sofrimento.

E como o uso do poder por Fausto é agora humilde e direcionado desinteressadamente para o benefício dos outros, a terceira e mais poderosa tentação de Mefistófeles leva Fausto não à perdição, mas à salvação.

O diabo falhou; Fausto ganhou a aposta. Pois mesmo que ele finalmente, e no último momento de sua vida de cem anos, pronuncie as palavras cruciais:

“Ó, espere ainda, você é tão justo”, anunciando que seu esforço atingiu seu objetivo e pode cessar, isso é dito não sobre o momento presente como tal, mas em antecipação de um tempo que ainda está por vir.

Pois Fausto, enquanto fala, tem uma visão do futuro ideal (Céu). Seu feudo será uma província inteira habitada por um povo livre, trabalhador e próspero. Com seu último suspiro, Fausto proclama:

E assim, cercado por perigos, aqui

a juventude, a masculinidade, a idade passarão seu ano extenuante.

Tal fervilha eu veria nesta terra,

Em hectares livres entre pessoas livres.

Eu poderia implorar ao minuto fugaz:

Oh, espere ainda, você é tão belo!

Meu caminho na terra, o rastro que deixo nele

por eras incalculáveis, não pode prejudicar.

Prevendo a felicidade tão elevada que está por vir,

saboreio agora a coroa e a soma do meu esforço.

Seu esforço agora no caminho certo, como o Senhor estava confiante de que seria no “Prólogo no Céu” no início da peça, Fausto agora encontrou salvação.

No poema de Fausto Goethe como um bom católico, fala da intercessão dos santos, como a Virgem Maria e os anjos. Na verdade Fausto foi salvo por causa da intercessão do Filho de Deus.

Portanto, Fausto não é salvo apenas pelos seus próprios esforços. Goethe não é um neopelagiano. A graça é necessária e é fornecida. Agora o coro celestial pode cantar:

A quem se esforça em trabalho incessante,

a Ele podemos conceder a redenção.”

E quando no alto, o amor transfigurado

Adiciona intercessão,

Os abençoados se amontoarão sobre ele

Com compaixão acolhedora.

  1. O cristianismo de Goethe.

Básico para a fé cristã é uma epistemologia realista. Vemos através de um vidro obscuro aqui na terra, é verdade, mas a criação fala-nos e revela o seu autor.

A razão sem ajuda pode provar a existência de Deus; a teologia natural é possível. O intelecto humano pode conhecer a verdade, e esse conhecimento consiste em conformar as nossas mentes ao que é real, mas não pode nos salvar.

E isso, por sua vez, envolve aceitar que não podemos confiar somente na nossa lógica e nos nossos sentidos.

Esta afirmação conduz não só ao conhecimento das leis da natureza, mas também ao Direito Natural. Pois ao aceitarmos os nossos sentidos e o nosso intelecto estamos ao mesmo tempo afirmando e dando consentimento a quem e ao que somos.

Estamos aceitando nossa natureza humana. E uma vez que a natureza humana prospera melhor quando vivida em conformidade com a Lei Natural, o conhecimento da Lei Natural está pelo menos implícito na nossa aceitação da nossa natureza humana.

Isto se aplica diretamente a Fausto e à sua renúncia à busca gnóstica (razão).

Pois o que foi essa busca senão uma revolta contra a natureza humana, uma tentativa de transcender o tempo, o espaço e a causalidade que Fausto sentiu ser uma camisa de força.

Ao tentar superar esses limites, Fausto estava tentando transformar sua humanidade em algo superior, para se tornar um, um homem sobre-humano.

Ao renunciar à magia, etc. Fausto finalmente aceita com toda humildade a condição humana que deve sempre depender de Deus. Como ele diz:

Poderia eu apenas limpar meu caminho a cada curva

De feitiços, toda magia totalmente desaprendizada;

Se eu fosse apenas um Homem, tendo a Natureza como estrutura,

O nome de humano valeria a pena ser reivindicado.

CONCLUSÃO:

Fausto agora percebe que o tempo, o espaço e a causalidade, conhecidos por nós através dos sentidos e do intelecto, não são limites para a realização humana, mas suas pré-condições, os parâmetros dentro dos quais, e somente dentro dos quais, a ação é realizada.

Falando de si mesmo na terceira pessoa, Fausto proclama:

“Deixe-o permanecer firme e olhar ao seu redor aqui,/Este mundo está aberto a todos os ouvidos… /E o que ele percebe pode ser apreendido aqui embaixo.”

Quando acrescentamos a este realismo implícito na peça de Goethe o fato de que, como vimos, Fausto é salvo pela graça, e não por meio de suas obras meritórias, de sua “ação”.

Fois a oração através da oração intercessórias de outros, e principalmente a de Jesus que é o mediador em Deus e o Homem e que a graça de Deus pode nos alcançar mesmo quando caímos no pecado e nos levantar de novo.

Fausto está consciente de que não pode haver paraíso terrestre, de que todos os projetos humanos falham e incorrem em culpa, poderíamos dizer que Goethe escreveu um drama com profundas implicações cristãs.

De que o conhecimento humano e nem a razão pode criar um céu na terra. O Fausto de Goethe é um romance que mostra a ilusão de um céu secular.

É verdade que Fausto carece de fé cristã num sentido estrito e dogmático; mas dar-lhe isso seria mais do que se esperaria de Goethe, que também não tinha isso. Ele levou seu Fausto o mais próximo possível do cristianismo autêntico que ele conhecia.

Como disse o Apostolo Paulo pregando para os filósofos na Grécia:  Atos 16-34

16 E, enquanto Paulo os esperava em Atenas, o seu espírito se comovia em si mesmo, vendo a cidade tão entregue à idolatria.

17 De sorte que disputava na sinagoga com os judeus e religiosos, e todos os dias na praça com os que se apresentavam.

18 E alguns dos filósofos epicureus e estóicos contendiam com ele; e uns diziam: Que quer dizer este paroleiro? E outros: Parece que é pregador de deuses estranhos; porque lhes anunciava a Jesus e a ressurreição.

19 E tomando-o, o levaram ao Areópago, dizendo: Poderemos nós saber que nova doutrina é essa de que falas?

20 Pois coisas estranhas nos trazes aos ouvidos; queremos pois saber o que vem a ser isto

21 (Pois todos os atenienses e estrangeiros residentes, de nenhuma outra coisa se ocupavam, senão de dizer e ouvir alguma novidade).

22 E, estando Paulo no meio do Areópago, disse: Homens atenienses, em tudo vos vejo um tanto supersticiosos;

23 Porque, passando eu e vendo os vossos santuários, achei também um altar em que estava escrito: AO DEUS DESCONHECIDO. Esse, pois, que vós honrais, não o conhecendo, é o que eu vos anuncio.

24 O Deus que fez o mundo e tudo que nele há, sendo Senhor do céu e da terra, não habita em templos feitos por mãos de homens;

25 Nem tampouco é servido por mãos de homens, como que necessitando de alguma coisa; pois ele mesmo é quem dá a todos a vida, e a respiração, e todas as coisas;

26 E de um só sangue fez toda a geração dos homens, para habitar sobre toda a face da terra, determinando os tempos já dantes ordenados, e os limites da sua habitação;

27 Para que buscassem ao Senhor, se porventura, tateando, o pudessem achar; ainda que não está longe de cada um de nós;

28 Porque nele vivemos, e nos movemos, e existimos; como também alguns dos vossos poetas disseram: Pois somos também sua geração.

29 Sendo nós, pois, geração de Deus, não havemos de cuidar que a divindade seja semelhante ao ouro, ou à prata, ou à pedra esculpida por artifício e imaginação dos homens.

30 Mas Deus, não tendo em conta os tempos da ignorância, anuncia agora a todos os homens, e em todo o lugar, que se arrependam;

31 Porquanto tem determinado um dia em que com justiça há de julgar o mundo, por meio do homem que destinou; e disso deu certeza a todos, ressuscitando-o dentre os mortos.

32 E, como ouviram falar da ressurreição dos mortos, uns escarneciam, e outros diziam: Acerca disso te ouviremos outra vez.

33 E assim Paulo saiu do meio deles.

34 Todavia, chegando alguns homens a ele, creram; entre os quais foi Dionísio, areopagita, uma mulher por nome Dâmaris, e com eles outro

[1] Prometeu um deus da mitologia grega que cria os homens a sua própria imagem.