Série de sermões expositivos sobre o livro de Eclesiastes. Sermão Nº 12 –  A satisfação é vendida separadamente. Eclesiastes 5:8-20. Pregação do Pastor Jairo Carvalho em 10/06/2020.

INTRODUÇÃO

O agiota e sua mulher; é uma pintura famosa do pintor renascentista Quentin Matsys. Ele nos confronta com a escolha que todos precisam fazer entre Deus e o dinheiro.

O agiota (cambista, banqueiro) está em casa, com uma balança e uma pilha de dinheiro sobre a mesa à sua frente, cuidadosamente avaliando o valor de uma única moeda.

No entanto, nossa atenção é atraída também pela mulher sentada ao lado dele, a esposa do agiota. Ela está folheando uma Bíblia ou um livro de orações, provavelmente comprado por seu rico marido.

Ela está tendo seu tempo devocional, mas o dinheiro está distraindo sua atenção. Ao virar a página, seu olhar é cativado pela moeda na mão do marido.

Matsys pintou essa imagem para chamar atenção para algo sério. Sua cidade de adoção, Antuérpia (Bélgica), havia se tornado o centro mundial de comércio e finanças na Europa. Mas Matsys reconheceu como o dinheiro consegue enfadar a nossa alma da adoração a Deus.

Todos nós sentimos essa tensão. Sabemos que Deus exige a nossa mais alta fidelidade.

Acreditamos que nada pode ser mais precioso do que a mensagem de seu evangelho — o perdão dos nossos pecados e a dádiva gratuita da vida eterna por meio da fé em Jesus Cristo.

Contudo, nós nos distraímos facilmente. Às vezes, preferiríamos folhear um catálogo de vendas do que ouvir o que Deus diz em Sua Palavra.

  1. A VAIDADE DA INJUSTIÇA

Eclesiastes quer nos ajudar a vencer essa batalha espiritual mostrando-nos a vaidade do dinheiro. Ele começa falando sobre injustiça que as pessoas sofrem em decorrência das estruturas pecaminosas da sociedade.

Logo, ele assumirá um tom mais pessoal, mas ele começa falando sobre o sistema injusto:

“Se vires em alguma província opressão de pobres e o roubo em lugar do direito e da justiça, não te maravilhes de semelhante caso; porque o que está alto tem acima de si outro mais alto que o explora, e sobre estes há ainda outros mais elevados que também exploram” (Ec 5.8).

O Pregador vê algo que todos nós vemos — opressão e injustiça em cada nível da sociedade, ele mostra isso decorrente da burocracia e da tirania. 

  1. Burocracia e Tirania.

Vemos isso no COMUNISMO, em que o Estado controla os meios de produção. Mas vemos isso também no CAPITALISMO sempre que o lucro ignora o bem-estar de outras pessoas.

De alguma forma, as pessoas pobres sempre acabam pagando a conta. Eclesiastes nos diz que não devemos nos surpreender com a vaidade de toda essa injustiça.

Ele não está concordando com a injustiça: ele simplesmente mostra a visão realista da vida num mundo caído.

O que é difícil de entender é porque exatamente o pregador acredita que não devemos nos surpreender com tanta injustiça.

Ele se refere a uma hierarquia oficial, na qual uma pessoa supervisiona outra. Mas não é completamente claro por que isso causa injustiça.

Talvez a questão aqui seja a BUROCRACIA GOVERNAMENTAL. De alguma forma, uma burocracia de múltiplos níveis sempre parece abrir mais portas para a injustiça e a corrupção.

Nas palavras de um estudioso, esse versículo fala das frustrações de uma burocracia opressiva com seus atrasos e desculpas infinitas, enquanto os pobres não podem se dar ao luxo de esperar e a justiça se perde entre os níveis da hierarquia.

Ou talvez ele esteja querendo dizer que cada nível do governo tira algo das pessoas no nível inferior. Não devemos nos surpreender quando as pessoas detentoras de autoridade abusam de seu poder.

Eventualmente, a injustiça alcança também os pobres que, provavelmente também oprimiriam alguém se pudessem, mas não podem porque estão no nível mais baixo.

O problema então poderia ser a burocracia, e a tirania dos que ocupam o poder. Mas temos outra razão para a injustiça.

  1. Tirar vantagens.

A interpretação correta desse versículo depende em parte do significado da palavra “supervisionar” (shomer). Às vezes, essa palavra tem uma conotação negativa.

Assim, pode se referir à forma como ramos diferentes do governo tendem a suspeitar uns dos outros.

“Supervisionar” nesse sentido significa manter as pessoas sob vigilância, sempre à procura de uma maneira de tirar vantagem delas.

Mas “supervisionar” pode ser entendido também de forma mais positiva, uma indicação de que as pessoas do governo estão de olho umas nas outras, protegendo-se mutuamente da corrupção.

Esse tipo de troca de favores gera urna máquina política que exclui as pessoas pobres e comuns.

É difícil saber exatamente que tipo de injustiça Eclesiastes tem em mente, mas até essa incerteza ajuda a demonstrar o argumento do Pregador.

Há tantos tipos de injustiça na sociedade que nunca devemos nos surpreender com o pecado. MARTINHO LUTERO, disse que “o governo esmaga o homem, o apaga e o destrói completamente”.

O versículo 9 parece oferecer pelo menos uma solução parcial para esse problema perene. O Pregador diz: “O proveito da terra é para todos; até o rei se serve do campo” (Ec 5.9).

Este é outro versículo de tradução difícil. Em algumas versões dizem que: a melhor defesa contra a corrupção do governo é um rei santo.

A sociedade precisa de um governante com sabedoria como Salomão, alguém que preze pelos valores da liberdade econômica, que encoraje as pessoas a prosperarem cultivando seus próprios campos.

No entanto, muitos estudiosos lêem o versículo de forma mais negativa, e o traduzem assim: “O lucro da terra é tirado por todos; até mesmo o rei se beneficia do campo”.

Nessa interpretação, o rei não é parte da solução, mas outra parte do problema. Certamente, esse é o modo como a maioria dos governantes reinava no mundo antigo e sempre desde então: reivindicando os lucros da terra para si mesmos.

Nossa experiência com a injustiça neste mundo caído nos leva a esperar corrupção em cada nível do governo, até o topo.

Mesmo que alguns líderes sejam motivados pelo puro desejo de servir a sociedade, muitos outros usam os recursos públicos para financiar seu estilo de vida luxuoso e então se gabar diante de seus amigos por gastar “o dinheiro dos outros”.

Os melhores governos devem aprender a lição: as pessoas são pecadoras, e por natureza são corruptas; e por isso precisam ser supervisionadas para inibir a injustiça.

Mas até mesmo os melhores governos estão longe da perfeição. Enquanto vivermos nesta terra, veremos pessoas pagando para chegar ao poder usando posições públicas para lucro pessoal e manipulando o sistema para sua própria vantagem.

Em vez de esperar que o governo resolva nossos problemas, precisamos reconhecer que até os melhores governantes não conseguem ser perfeitos.

Portanto, vivemos na esperança de uma administração melhor — uma que encontramos não em Eclesiastes, mas no evangelho:

Porque um menino nos nasceu, um filho, se nos deu; o governo está sobre os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz;

para que se aumente o seu governo, e venha paz sem fim sobre o trono de Davi e sobre o seu reino, para o estabelecer e o firmar mediante o juízo e a justiça, desde agora e para sempre O zelo do SENHOR dos  Exércitos fará isto (Is 9 6-7).

  1. VAIDADE DA PROSPERIDADE

Até agora, o Pregador tem falado sobre riqueza e pobreza numa escala nacional, mas a partir do versículo 10 ele traz tudo para um nível pessoal.

Os oficiais públicos não são os únicos que querem ter mais dinheiro; é uma tentação que afeta todos nós.

Por isso, o Pregador nos adverte sobre a vaidade da prosperidade:

Quem ama o dinheiro jamais dele se farta; e quem ama a abundância nunca se farta da renda; também isto é vaidade” (Ec 5.10).

Aqui temos uma verdade bem conhecida. Não imporia quanto dinheiro tenham, as pessoas que vivem pelo dinheiro nunca se contentam. Sempre querem mais.

John D. Rockefeller era um dos homens mais ricos do mundo, mas quando alguém lhe perguntou quanto dinheiro seria o suficiente, ele deu a famosa resposta: “Só um pouquinho mais”.

A escritora contemporânea Jessie O’Neill, em seu livro o “Gueto dourado: A Psicologia da riqueza”; diagnosticou esse problema espiritual.

Essa psicoterapeuta chama de “afluência”, essa doença que ela identificou na maioria de seus pacientes ricos, que tinham “um relacionamento não saudável com o dinheiro” ou busca de riqueza.

A maioria das pessoas sofrem pelo menos de um caso leve dessa doença mortal. Mesmo se formos gratos pelo que temos, muitas vezes pensamos nas coisas que não temos e em como consegui-las.

Isso explica o SURTO SÚBITO DE INSATISFAÇÃO que sofremos quando percebemos que não temos o dinheiro para comprar algo que desejamos; ou a CULPA que sentimos quando o compramos mesmo sem poder e assim acumulamos dívidas.

O apetite pelas coisas que o dinheiro pode comprar nunca é satisfeito. A única maneira de controlá-lo e contentar-se com aquilo que Deus providencia.

Quando os nossos DESEJOS ultrapassam as nossas NECESSIDADES, devemos procurar ficar satisfeitos onde estamos, do que onde esperamos estar na ilusão do nosso desejo insaciável.

Em vez de sempre querer mais, somos convidados a nos contentar com menos, uma vez que nos satisfazemos com Deus.

Isso é uma luta que dura toda a vida. O fato de termos resistido à tentação do dinheiro no passado não nos torna imunes no futuro.

Num dia, podemos dizer: “Não me importo com dinheiro”. Mas no outro podemos agir como a música mundana dos Beatles:

“O dinheiro não compra tudo, é verdade,/ o que ele não compra é inútil para mim. / Agora, dê-me dinheiro (é isso que quero)”.

Eclesiastes adverte nossos corações divididos de que viver por coisas que só o dinheiro pode comprar é vaidade e nos oferece uma longa lista de razões para nos ajudar a não sofrer um caso grave de “afluência”.

Eclesiastes mostra os sintomas desse caso graves:

1.Parasitas e aproveitadores.

O primeiro problema com o dinheiro é que outras pessoas tentarão tirá-lo de nós. “Onde os bens se multiplicam“, diz o Pregador, “também se multiplicam os que deles comem; que mais proveito, pois, têm os seus donos do que os verem com seus olhos?” (Ec 5.11).

A expressão “se multiplicam os que deles comem“, de certa forma, refere-se às pessoas que consomem a nossa riqueza.

Pode ser o governo opressivo descrito nos versículos 8-9, que se apodera do nosso dinheiro por meio de impostos mais altos.

Podem ser nossos filhos ou outros dependentes — as bocas famintas ao redor da nossa mesa. Ou podem ser as pessoas que nos procuram implorando por algo os parasitas e aproveitadores.

Mas não importa quem sejam, quanto mais tivermos, mais pessoas tentarão se aproveitar.

Ninguém sabia disso melhor do que o rei Salomão. Este homem era o mais rico do mundo, mas em vista dos milhares que precisava alimentar •(veja Rs 4.22.28), ele tinha mesmo de ser.

Aqui, ele nos adverte de que quanto mais tivermos, mais pessoas irão querer a sua parte. Elas vão tirar nossa paz, tentando conseguir isso.

Assim jamais conseguiremos desfrutar da nossa riqueza. Podemos vê-la, mas ela desaparecerá antes de termos a chance de usá-la. Isso é vaidade.

  1. Insônia.

Um segundo problema de ter mais dinheiro é que ele nos mantém acordados à noite. O Pregador ressalta isso por meio de um contraste:

“Doce é o sono do trabalhador, quer coma pouco, quer muito; mas a fartura do rico não o deixa dormir” (Ec 5.12).

Como regra geral, as pessoas que trabalham duro durante o dia todo, especialmente quando trabalham com as suas mãos, estão prontas para um boa noite de sono.

Não importa se tiveram um jantar decente ou se são tão pobres a ponto de se deitarem com fome, elas estarão cansadas o bastante para cair no sono imediatamente.

O rico ocioso não tem esse luxo, mas fica acordado a noite toda. Não porque estivesse preocupado com todos os seus bens, como o tolo rico na parábola de Jesus (Lc 12.13-21), mas porque a dieta de comidas gordurosas lhe dá dor de barriga. Sua insônia é causada por indigestão.

Ter muito dinheiro pode ser muito nocivo — não só espiritualmente, mas também fisicamente.

As pessoas que trabalham muito deveriam ser gratas, mesmo se não receberem um alto salário pelo que fazem.

O sono reparador é a bênção do trabalho manual. Mas o estilo de vida dos ricos e preguiçosos tende a não ser muito relaxante.

Vemos isso no Ocidente, onde quase todos são ricos comparado com o resto do mundo.

Observem os nossos “aparelhos modernos nas academias”, alguém já disse que isso é “uma das nossas absurdidades humanas gastar dinheiro e esforço para desfazer os danos causados por dinheiro e preguiça”.

Isso revela uma sociedade doente, pois onde se acumula riqueza as pessoas adoecem das mais variadas maneiras.

  1. Prosperidade temporária

Até agora, o pregador tem falado sobre a vaidade de ter muito dinheiro. Nos versículos 13-14, ele fala sobre a vaidade de perdê-lo:

“Grave mal vi debaixo do sol: as riquezas que seus donos guardam para o próprio dano”.

E se tais riquezas se perdem por qualquer má aventura, ao filho que gerou nada lhe fica na mão.

Esta razão pela qual viver pelo dinheiro não faz sentido: ele pode existir hoje, mas desaparece amanha.

O Pregador chama isso de “grave mal”, que literalmente significa que só pensar nisso já o deixa doente.

A fim de explicar o porquê, ele nos apresenta um estudo de caso, a intenção do qual é, segundo Martinho Lutero, mostrar que “Deus permite as riquezas nas quais as pessoas confiam para causar a ruína daquelas que as possuem”.

A história de Eclesiastes fala de um homem rico que tentou acumular suas riquezas, mas as perdeu em algum investimento arriscado. Hoje, as pessoas perdem seu dinheiro em lugares como o mercado de ações.

Naqueles dias, seus navios naufragaram ou suas caravanas de camelos foram atacadas no deserto. Qualquer que tenha sido a razão, esse homem apostou e acabou perdendo tudo.

Pior ainda, o homem era um pai, e agora não tinha nada para deixar ao seu filho. A história ensina então o que a Bíblia diz em outros textos: os pais deveriam deixar uma herança para seus filhos (por exemplo, Pv 13.22).

Ao planejar nosso futuro financeiro, devemos pensar não só em nós mesmos, mas também naquilo que podemos dar às nossas famílias, inclusive à nossa família espiritual, a igreja.

Pais e mães têm um dever de economizar e sacrificar para os seus filhos e suas filhas. No entanto, isso não significa que acumular e guardar dinheiro deva ser o nosso foco primário.

Pelo contrário: a essência dessa história é que contar com o dinheiro é vaidade e correr atrás do vento.

  1. abandono.

Então o Pregador nos dá uma quarta razão pela qual devemos resistir à febre da “afluência”. A razão dessa vez é que não podemos levar o dinheiro conosco.

E é assim que a história do homem que perdeu seu dinheiro continua:

“Como saiu do ventre de sua mãe, assim nu voltará, indo-se como veio; e do seu trabalho nada poderá levar consigo. Também isto é GRAVE MAL: precisamente como veio, assim ele vai: e que proveito lhe vem de haver trabalhado para o vento?” (Ec 5.15-16).

A linguagem desses versículos é familiar para todos que conhecem a história de Jó. Quando aquele pobre homem perdeu tudo que tinha, ele disse:

“Nu saí do ventre de minha mãe e nu voltarei; o SENHOR o deu e o SENHOR o tomou; bendito seja o nome do SENHOR!”(Jó 1.21).

O apóstolo Paulo aplicou a mesma verdade a todos nós: “… nada temos trazido para o mundo, nem coisa alguma podemos levar dele” (1Tm 6.7).

Não há caminhão de mudança em velório, não há gavetas em caixões. Algum dia, todo nosso trabalho estará perdido. Essa é a realidade trágica que todos nós precisamos encarar –a realidade da nossa mortalidade.

No final de um de seus anos mais lucrativos do circuito Europeu de Golfe (European Tour) alguém perguntou ao jogador de golfe inglês Simon Dyson se havia algo que ele temia.

“A morte”, Dyson respondeu, “estou numa posição neste momento em que posso fazer praticamente tudo o que eu quiser… Morrer não seria muito bom neste momento”.

Não importa se ganhamos ou não tanto dinheiro quanto um jogador de golfe profissional, e gostando disso ou não, o dia virá em que teremos de deixar tudo para trás.

Então, o que ganhamos se vivermos pelo dinheiro? Algumas pessoas esperam até o leito da morte para refletir sobre isso — se é que o fazem – mas se formos sábios como o Salomão de Eclesiastes, refletiremos sobre isso agora.

MARTINHO LUTERO disse: “Assim como abandonarei minhas riquezas quando eu morrer, eu as abandonarei enquanto estiver vivo”.

Uma maneira de ABANDONAR nossas riquezas é simplesmente contemplar o que temos e dizer a nós mesmos:

“Aqui está algo que Deus me deu para me alegrar por ora, ou talvez para investir para o trabalho do seu reino, mas preciso lembrar que jamais poderei levá-lo comigo quando eu morrer”.

Isso é algo bom para as meninas dizerem em relação às suas bonecas, e os meninos em relação aos seus videogames.

Isso é algo bom para os adolescentes dizerem em relação aos seus celulares e às suas roupas e sua música.

Os homens e as mulheres devem dizer isso em relação às suas casas e seus carros, se tiverem.

Todos nós estamos a caminho da eternidade. Portanto, deveríamos viajar com pouca bagagem.

Tudo que Salomão diz sobre o dinheiro éque o uso insensato das riquezas é correr atrás do vento.

Resumindo, as descobertas que o Salomão faz são alarmantes:

“Quem ama o dinheiro jamais dele se farta” (v. 10). Quanto mais você tem, mais você quer.

“Quem ama a abundância nunca se farta da renda” (v. 10). Quanto mais você tem, menos você se sentirá satisfeito.

Onde os bens se multiplicam, também se multiplicam os que deles comem” (v. 11). Quanto mais você tem dinheiro, mais pessoas virão atrás dele (incluindo o governo).

Que mais proveito, pois, têm os seus donos do que os verem com seus olhos?” (v. 11). Quanto mais você tem, mais você percebe que a riqueza não lhe faz bem.

Doce é o sono do trabalhador, quer coma pouco, quer muito; mas a fartura do rico não o deixa dormir” (v. 12). Quanto mais você tem, mais você tem com o que se preocupar e viver estressado.

“Grave mal vi debaixo do sol: as riquezas que seus donos guardam para o próprio dano” (v. 13). Quanto mais você tem, mais você pode se machucar e adoecer agarrando-se a isso.

Tais riquezas se perdem por qualquer má aventura” (v. 14). Quanto mais você tem, mais você tem a perder.

“como saiu do ventre de sua mãe, assim nu voltará, indo-se como veio; e do seu trabalho nada poderá levar consigo” (v. 15). Quanto mais você tem, mais você vai deixar para trás.

  1. Solidão.

Salomão fala da última razão pela qual não devemos viver pelo dinheiro no versículo 17:

“Nas trevas, comeu em todos os seus dias, com muito enfado, com enfermidades e indignação”.

Esse versículo nos apresenta uma imagem patética do lugar para onde a COBIÇA nos leva.

Pois se houver algo pior do que o vício que o dinheiro traz, é o vazio que ele deixa.

O avarento acabará sozinho em sua miséria. Por viver em escuridão espiritual, sua alma será atormentada por muitas ANSIEDADES.

A busca ímpia pela riqueza exigirá um preço físico, deixando-o doente. Ele também será uma pessoa muito irritada — um velho homem amargurado — pois quem já ouviu falar num avarento feliz?

As pessoas que vivem pelo dinheiro tentam juntar o máximo de dinheiro possível, mas quando precisam abrir mão — como todos em algum momento — isso as deixa irritadas com todos e com tudo.

Isso nos fornece uma pergunta útil que podemos fazer sobre nossa PRÓPRIA RAIVA, parte da qual pode ser causada pelo amor exagerado às coisas deste mundo.

Quando nos irritamos, qual é o motivo? Quando maridos e esposas discutem sobre quanto gastar, por exemplo, e com o que gastar, eles estão discordando sobre os princípios da administração bíblica, ou estão brigando sobre aquilo que querem ter?

O desejo insatisfeito de posses terrenas é um poderoso gerador de raiva e de intrigas sem fim. 

III. O PODER DE DESFRUTAR

Quando ouvimos a história do velho homem irritado em Eclesiastes 5, não podemos remediar, mas pensamos que deve existir uma maneira melhor de viver, e ela existe.

A Bíblia nos diz que não devemos depositar a nossa “esperança na instabilidade da riqueza, mas em Deus, que tudo nos proporciona para nossa satisfação” ( Tm 6.17).

Eclesiastes o formula assim:

Eis oque eu vi: boa e bela coisa é comer e beber e gozar cada um do bem de todo o seu trabalho, com que se afadigou debaixo do sol, durante os poucos dias da vida que Deus lhe deu; porque esta é a sua porção.

Quanto ao homem a quem Deus conferiu riquezas e bens e lhe deu poder para deles comer, e receber a sua porção, e gozar do seu trabalho, isto é dom de Deus (5.18-19).

Alguns estudiosos acham que esses versículos são tão contrários a tudo que o Pregador já disse que acreditam que ele deve estar sendo sarcástico ou, no mínimo, estoico.

“À luz da ausência de uma vida com sentido”, eles nos dizem, Salomão defende uma vida que busca os pequenos prazeres fornecidos pela comida, bebida e trabalho”.

Na verdade, o Pregador não acredita que a vida seja prazerosa, mas ele está tentando nos ajudar a desfrutá-la enquanto ainda podemos.

Assim, ele nos instrui a comer, beber, ser produtivos, pois amanhã estaremos mortos.

No entanto, isso não é tudo que o Pregador diz. Ele está nos oferecendo uma visão equilibrada, centrada em Deus.

  1. Gratidão santa.

Assim como ele tem sido honesto sobre a vaidade da nossa existência, ele também quer nos dizer a verdade sobre encontrar alegria nas coisas cotidianas da vida, como trabalhar e festejar.

Ele já falou sobre essas bênçãos antes, nas chamadas “passagens de desfrute” de Eclesiastes (p. ex., 2.24-26).

Ele sabe que essa alegria é real porque ele a experimentou. Sabe também que essa alegria é “boa e apropriada” — algo adequado ao povo de Deus.

Sim, nosso tempo na terra é curto, mas o tempo que temos é uma dádiva sagrada.

Quando o Pregador chama a vida de “a dádiva de Deus”, ele lhe confere seu mais alto louvor. Isso não é estoicismo ou sarcasmo, mas GRATIDÃO SANTA.

O Pregador pode dizer isso porque acredita no Deus da alegria. Mais acima nessa passagem, quando falou sobre a vaidade do dinheiro, o Pregador praticamente não mencionou Deus.

Mas nos versículos 18-20 ele o menciona repetidas vezes. Qualquer alegria que ele encontra é centrada em Deus.

Sem Deus, a vida não tem sentido e é miserável, especialmente se vivermos pelo dinheiro. Mas quando conhecemos o Deus da alegria, o dinheiro pode ser uma bênção.

Para entender isso, precisamos prestar atenção na formulação do versículo 19. Mais acima, o Pregador havia listado as muitas razões pelas quais o acúmulo de dinheiro é vaidade.

Mas aqui ele nos diz explicitamente que, se formos ricos, deveríamos desfrutar isso. Quase parece uma contradição, mas observe de onde vem o poder para desfrutar: ele vem de Deus. Ter e desfrutar coisas são dádivas de Deus.

Essa profunda descoberta nos ajuda a obter uma visão equilibrada dos nossos bens terrenos.

O mundo criado por Deus está repleto de muitas e ricas dádivas, mas o poder para desfrutá-las não está nas dádivas em si. É por isso que sempre é inútil adorar as dádivas no lugar do Doador.

  1. As dadivas e o Doador.

A capacidade de desfrutar riqueza, família, amizades, comida, trabalho, sexo ou qualquer outra dádiva vem exclusivamente de Deus. A satisfação é vendida separadamente.

Assim, os versículos centrados em Deus no final de Eclesiastes nos chamam de volta para a alegria que só podemos encontrar em Deus.

A pessoa que encontra o maior prazer na vida é aquela que conhece Deus e que tem um relacionamento com ele por meio de Jesus Cristo.

O poeta inglês George Herbert escreveu sobre o poder da alegria em seu poema “The Pulley” (A polia).

Herbert começa dizendo que, quando Deus criou o homem, ele tomou seu copo e derramou o máximo de bênçãos possíveis – riquezas, beleza, sabedoria, honra e prazer.

Mas quando o copo estava quase vazio, ele decidiu parar. “Quando quase tudo havia sido derramado”, escreve Herbert, “Deus fez uma pausa/ ao perceber que de todos os seus tesouros / restava no fundo apenas o descanso”.

Em outras palavras, a única dádiva que Deus decidiu não dar foi o descanso ou, como poderíamos dizer, a satisfação. “Pois se eu (disse ele) / fosse dar também essa joia para a minha criatura / ela adoraria minhas dádivas em vez de mim.”

Em seu amor e sabedoria, Deus assim decretou que deveríamos ser “ricos e preocupados, de modo que a nossa preocupação voltasse nossos corações para ele.

Você abandonou suas preocupações com as riquezas para encontrar a sua alegria em Deus? Essa é parte da resposta do Pregador ao problema da vaidade da vida.

Ele está nos ensinando a depender de Deus para o nosso prazer em vez de depender de uma de suas muitas dádivas.

A pessoa que aprender bem essa lição “não se lembrará muito dos dias da sua vida, porquanto Deus lhe enche o coração de alegria” (Ec 5.20).

Mesmo que alguns estudiosos tenham interpretado equivocadamente esse versículo como tentativa desesperada de esquecer os problemas da vida.

O Pregador usa aqui palavras positivas para transmitir uma mensagem positiva sobre a alegria que apenas Deus pode trazer para o coração humano.

Quando aprendemos a desfrutar Deus, experimentamos tanta alegria que nos esquecemos da vaidade curta da vida.

CONCLUSÃO.

O pintor renascentista Quentin Massys parece ter aprendido essa lição espiritual.

Sabemos disso por causa de um detalhe surpreendente em “O agiota e sua mulher”. Lembre-se de que nessa obra prima o marido e a esposa se afastam de Deus para se concentrar no dinheiro.

Na mesa entre os dois, Massys inseriu um pequeno espelho redondo, que reflete uma pequena cena que ocorre além dos limites do quadro.

Se olharmos com cuidado a imagem no espelho, veremos linhas escuras que se cruzam numa janela para formar uma cruz.

Vemos também uma pequena figura estendendo o braço em direção à cruz, como que para se agarrar à cruz.

Os historiadores da arte reconhecem o rosto: trata-se do próprio Massys. O artista — assim como o Pregador que escreveu Eclesiastes — está nos lembrando que, na vida, não devemos procurar qualquer satisfação no dinheiro.

Em vez disso, somos convidados a estender nossa mão para a cruz, onde Jesus deu a sua vida por todos os nossos pecados avarentos, a agarrar-nos em Jesus e encontrar toda a satisfação nele.

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