Série de sermões expositivos sobre o livro de Eclesiastes. Sermão Nº 06 – A recompensa do trabalho. Eclesiastes 2:18-26. Pregação do Pastor Jairo Carvalho em 29/04/2020.
INTRODUÇÃO:
Se alguma coisa merece ser chamada de correr atrás do vento, essa coisa é a labuta e o fardo do nosso trabalho diário.
Levanto-me toda manhã só para não perder o emprego
Tento passar pela multidão apressada
Enquanto os sons da cidade pulsam na minha mente
É outro dia desce pelo ralo.
Essas letras da música do grupo Vogues de 1965, “Five O’Clock World” [O mundo das cinco horas], captam bem a futilidade e frustração do emprego.
Você trabalha dia após dia, mas o que lhe resta no fim do dia por todo o esforço? Mais um dia de trabalho, mais um dia perdido.
Salomão autor de Eclesiastes tinha a mesma sensação. Ele jamais teve de pegar trânsito pesado para chegar ao trabalho, jamais teve de forçar uma venda para ganhar sua comissão ou fazer o trabalho de todos os colegas demitidos.
Mas o Rei-Pregador também sofreu a MALDIÇÃO DO TRABALHO, e assim descobriu que isso também era vaidade e correr atrás do vento.
- Você não pode levá-lo consigo
Lembre-se da busca do pregador. Numa busca apressada pelo sentido da vida, ele explorou as reivindicações da sabedoria e da loucura.
Depois, entregou-se a todos os prazeres da carne (e quando digo “todos”, quero dizer “todos”). Depois disso, voltou a ponderar as vantagens da sabedoria sobre a loucura.
Mas não importa o que tentasse, sua busca fracassava. Por fim, acabou odiando a vida completamente, tudo que existia debaixo do sol (Ec 2.17).
UMA DAS COISAS QUE ELE MAIS ODIAVA ERA SEU TRABALHO – não só a vida em geral, mas especialmente o trabalho. “Também aborreci todo o meu trabalho, com que me afadiguei debaixo do sol” (Ec 2.18).
Muitas pessoas ainda esperam que o trabalho lhes dê algum senso de propósito na vida.
Isso explica por que uma das primeiras perguntas que fazem quando conhecem alguém é: “QUE TIPO DE TRABALHO VOCÊ FAZ?” ou “Como você ganha sua vida?”. Somos definidos por nosso emprego.
Mas, segundo Eclesiastes, o trabalho é o lugar errado para procurar um sentido na vida. Há muitos problemas relacionados ao trabalho.
Alguém listou alguns deles em um ensaio sobre ética no mundo dos negócios:
- Existe uma “ética de trabalho anêmica” coexistindo com uma SUBVALORIZARÃO do trabalho; por parte dos outros, uma SUPERVALORIZAÇÃO do trabalho que assume a forma de viciado em trabalho;
- um senso de alienação das metas corporativas, muitas vezes acompanhado de ressentimento contra a corporação como empregador;
- Trabalhar para uma corporação cujos padrões éticos são suspeitos em muitos negócios desde muito tempo;
- a ansiedade proveniente da falta de segurança de emprego num meio corporativo que não transmite uma lealdade de longo prazo aos empregados;
- ver os trabalhadores e o trabalho em termos puramente econômicos como meios de produção.
E assim em diante. Esses problemas afetam a todos nós.
- Toda vez que ficamos doentes e cansados de fazer a mesma coisa repetidamente.
- Toda vez que nos sentimos incomodados pela preguiça ou incompetência de outra pessoa.
- Toda vez que nossas famílias sofrem as consequências das demandas do nosso empregador,
- Toda vez que sofremos a pressão de praticar nosso trabalho de forma antiética, lutamos com a vaidade do trabalho.
Na opinião de Eclesiastes, existem dois problemas principais com os nossos negócios terrenos.
O primeiro é que, no fim, outra pessoa fica com o lucro de todo o nosso trabalho duro.
Como alguém que sempre calcula o resultado final, o Pregador queria saber que tipo de retorno ele teria sobre seu investimento.
Ele pensou sobre a morte (veja Ec 2.16), e olhando para o futuro, percebeu que algum dia ele teria de deixar tudo para trás: “o seu ganho eu havia de deixar a quem viesse depois de mim” (Ec 2.18).
Você pode passar sua vida inteira colecionando algo, ou construindo algum negócio, ou erguendo uma empresa, ou fundando uma escola, ou juntando urna grande fortuna, mas você não poderá levá-lo consigo.
Talvez você perca tudo antes de morrer, em decorrência de algum infortúnio (um colapso do mercado financeiro, uma crise, uma pandemia; por exemplo). Mas isso acontecendo ou não, algum dia você terá de deixar tudo para trás.
Sua coleção passará para um comerciante. O conteúdo de sua casa será vendido num leilão. Alguém administrará seu portfólio. Então, tudo pelo qual você trabalhou durante uma vida inteira estará perdido.
Segundo todo fruto de nosso trabalho pode cair em mãos erradas.
Talvez suas posses possam cair em boas mãos. Mas talvez não. Essa era a outra parte da frustração do Pregador:
“E quem pode dizer se será sábio ou estulto? Contudo ele terá domínio sobre todo o ganho das minhas fadigas e sabedoria debaixo do sol; também isto é vaidade” (Ec 2.19).
Poderíamos quase aceitar a perda de nossas posses, se passassem para alguém que amamos e respeitamos, mas nunca saberemos com certeza o que acontecerá, especialmente depois que morrermos.
A pergunta “Quem sabe?” provoca uma resposta negativa. A pessoa que vier depois de nós pode ser sábia, mas em vista do número de tolos que existem no mundo, existe uma GRANDE PROBABILIDADE de que tudo cairá nas mãos erradas.
E mais, mesmo se a pessoa que vier a receber os nossos bens seja sábia, ela não os merece.
Aquilo que recebemos pelo nosso trabalho deveria pertencer a nós, como recompensa pela nossa labuta.
Mas tudo passará para outra pessoa. Isso é parte da frustração do Pregador:
“Então, me empenhei por que o coração se desesperasse de todo trabalho com que me afadigara debaixo do sol.
Porque há homem cujo trabalho é feito com sabedoria, ciência e destreza; contudo, deixará o seu ganho como porção a quem por ele não se esforçou; também isto é vaidade e grande mal” (Ec 2.20-21).
Um homem faz o trabalho, mas outro homem recebe a riqueza. Não parece ser justo!
Em vez de trabalhar para o seu próprio bem, você acaba trabalhando para o bem de outro — para o indolente que recebe suas coisas quando você morre. Eclesiastes sentiu profundamente essa perda.
Quando ele fala sobre alguém que trabalha com “sabedoria, ciência e destreza“, ele está falando em termos gerais, mas está descrevendo também a si mesmo.
Lembre-se dos prédios que ele construiu e do jardim que ele plantou. Lembre-se do exército de trabalhadores que ele supervisiona, da fortuna enorme que acumulara ou de todos os bens que possuía (veja Ec 2.4-9).
Aqui estava um homem de grande conhecimento — um administrador excelente, como a Bíblia descreve o rei Salomão (veja 1 Rs 10).
Ele era O EMPREENDEDOR mais bem-sucedido do mundo. Mas quando Salomão morreu, ele deixou todas essas conquistas como herança para o seu filho mais velho, o rei Roboão.
Salomão pode ter sabido ou não se seu sucessor seria sábio, mas nós sabemos: Roboão era tão TOLO que perdeu dez dos 12 territórios do reino de seu pai (veja 1Rs 12). Os pais constroem suas fortunas e os filhos as destrói.
Temos aqui uma das grandes frustrações da nossa existência. Nascemos com um desejo de permanência, um anseio profundo de fazer algo que perdure.
No entanto, a realidade debaixo do sol é que gastamos nossas vidas inteiras trabalhando para ganhar algo que não podemos guardar. Isso era o bastante para levar o Pregador ao desespero.
Ogrande romancista russo Léo Tolstói teve a mesma experiência. Escreveu:
Minha pergunta — aquela que, aos 50 anos de idade, me levou à beira do suicídio — era a mais simples das perguntas, aquela que se encontra na alma de todo homem… uma pergunta sem uma resposta com a qual conseguíssemos viver.
Era: “O que resultará hoje ou amanhã daquilo que estou fazendo? O que resultará de toda a minha vida? Por que deveria eu viver, por que desejar ou fazer qualquer coisa?”
Poderíamos dizê-lo também assim: existe algum sentido na minha vida que a morte inevitável, que me espera, não consiga destruir?’
- A maldição do trabalho
Deixar tudo para trás já é ruim, mas existe outro problema sério com o trabalho. Não era só a perda da recompensa pelo trabalho que o Pregador odiava, mas o trabalho em si!
O primeiro problema é que nosso trabalho trará uma recompensa para outra pessoa. O segundo problema é que o trabalho em si é labuta e a fadiga.
“Pois que tem o homem de todo o seu trabalho e da fadiga do seu coração, em que ele anda trabalhando debaixo do sol? Porque todos os seus dias são dores, e o seu trabalho, desgosto; até de noite não descansa o seu coração; também isto é vaidade” (Ec 2.22-23).
Para ressaltar o cansaço do trabalho, o Pregador o descreve como “trabalho e fadiga”.
Quando fala sobre trabalhar “debaixo do sol”, imaginamos alguém trabalhando longas horas nos campos num dia quente, suando sob o calor ardente.
Mas o trabalho também exige esforço mental, razão pela qual ele o chama de “fadiga do coração”.
Cada ocupação tem suas exigências específicas, mas não importa qual tipo de trabalho fazemos, ele sempre exige um tributo nosso.
Trabalho duro pode ser exaustivo tanto para a alma quanto para o corpo. Há esforço demaispara pouco ganho.
Trabalho também é “dores” e “desgosto”. Pense em todas as preocupações que o trabalho traz.
Às vezes, ficamos ansiosos, preocupados por não ter trabalho o bastante para sustentar a nós mesmos e as nossas famílias.
Outras vezes, temos tanto trabalho que não sabemos como dar conta de tudo.
Uma noite de sono profundo ajudaria; mas, em vez disso, ficamos acordados à noite, preocupados com o conflito de hoje no trabalho ou com o projeto de amanhã.
“Até de noite não descansa o coração” do trabalhador cansado (Ec 2.23; cf. 8.16).
Não há descanso para o cansado nem de dia nem de noite, e o trabalhador está sempre cansado. Observe quanto tempo seus problemas durarão: “todos os seus dias” (Ec 2.23).
Do início ao fim, a vida é um trabalho cansativo, com pouco ou nenhum resultado.
Portanto, o trabalho é vaidade como todos os outros aspectos da nossa existência. Se tentarmos encontrar sentido em nosso trabalho, isso terminará em decepção.
Se você fizer do seu trabalho a sua vida, ele o deixará vazio.
Warren Schmidt aprendeu essa lição no filme About Schmidt [As confissões de Schmidt], de 2002.
Depois de se aposentar, quando Schmidt faz uma retrospectiva de sua vida como um bem-sucedido especialista financeiro de uma companhia de seguros (EUA), ele percebe que nada tem a mostrar como resultado de todo seu trabalho duro.
E aqui está o que ele escreveu para uma criança pobre e necessitada que ele começou a patrocinar na África:
“Sei que todos nós somos apenas rodas bem pequenas na grande engrenagem das coisas, e suponho que o máximo que você pode esperar é fazer algum tipo de diferença.
Mas que tipo de diferença tenho feito? O quê neste mundo melhorou por causa de mim? Quando eu morrer e quando todos que me conheceram também estiverem mortos, será como se eu nunca tivesse existido.
Que diferença minha vida tem feito para outra pessoa? Nenhuma, que eu me lembre. Nenhumamesmo. Espero que tudo esteja bem com você. Sinceramente, seu Warren Schmidt”.
Pergunte-se: Que diferença você tem feito? Você tem alguma coisa a mostrar como resultado de todo seu trabalho? O pregador dá a mesma resposta que esse bem-sucedido empreendedor Warren Schmidt.
Quando ele refletiu sobre o que um homem ganha pela labuta debaixo do sol, o Pregador chegou a esta conclusão: “Todos os seus dias são dores, e o seu trabalho, desgosto” (Ec 2.23).
- Pegue este emprego e ame-o
Nada pode nos preparar para o que acontece em seguida em Eclesiastes, pois de repente o livro sofre uma virada surpreendente. Sem aviso prévio, o Pregador diz a primeira coisa verdadeiramente positiva em todo o livro:
“Nada há melhor para o homem do que comer, beber e fazer que a sua alma goze o bem do seu trabalho. No entanto, vi também que isto vem da mão de Deus, pois, separado deste, quem pode comer ou quem pode alegrar-se’?” (Ec 2.24-25).
Esses versículos são um OÁSIS DE OTIMISMO em meio a um deserto de desespero.
Como tal, demarcam um ponto de virada em Eclesiastes — não só em relação ao tema do trabalho, mas em relação ao argumento do livro como um todo.
Depois de experimentar a falência da nossa autonomia fingida. o Pregador aponta agora para o Deus que ocupa o âmbito celestial e para a vida de fé nele.
Martinho Lutero chamou o final do capitulo 2 de Eclesiastes de ‘uma passagem notável’, que explica tudo que a precede e sucede depois dela. Esse texto é a “conclusão principal”, e na verdade, a essência de todo o livro”.
Nem todos concordariam com Lutero. Alguns estudiosos acreditam que a perspectiva sobre a vida nesses versículos continua sendo bastante negativa e que Eclesiastes não apresenta nada edificante até o final do capítulo 12.
Dizem que as palavras; “não há nada melhor” expressam apenas um apreço relutante das coisas boas na vida.
Dizem que o autor dissimula sua linguagem de forma a comunicar sua relutância e falta de entusiasmo, querendo dizer: “não é muito, mas isso é oque a vida tem a oferecer.”
Se isso for verdade, então é melhor aproveitarmos o dia; e curtir o momento. Pois o Pregador seria como o rico tolo na parábola de Jesus, que disse à sua alma: “come, bebe e regala-te” (Lc 12.19).
Ou como as vítimas condenadas a serem dilaceradas por animais selvagens nos anfiteatros romanos: “comamos e bebamos, que amanhã morreremos” (1 Co 15.32).
Eu, porém, acredito que Eclesiastes 2.24-26 é muito mais positivo. O Pregador não está sucumbindo ao desespero, mas começando a ver a diferença entre viver com Deus e viver sem ele.
Se não reconhecermos esse avanço em seu pensamento, perderemos o benefício prático do livro de Eclesiastes.
Sua mensagem não é simplesmente que tudo é vaidade debaixo do sol, mas também que a alegria vem da mão de Deus, dando sentido a tudo na vida.
O pregador se agarra obstinadamente às duas alegações: toda a vida é vaidade, no entanto, é possível encontrar alegria em coisas boas.
É importante não transformar nenhuma dessas duas reivindicações na única mensagem do livro, pois seria um erro sério. Salomão insiste em ambas, muitas vezes na mesma passagem.
Alguém poderia dizer: “ou isto é o melhor ou o pior das coisas”. Não pode ter sido ambas as coisas. Mas a verdade é clara que pode ser ambas as coisas, e muitas vezes o é.
Vivemos num mundo amaldiçoado pelo pecado (veja Gn 3.17-19), mas é também é este mundo que Deus criou como essencialmente bom (veja Gn 1-2).
Um mundo que ele visitou na ENCARNAÇÃO; e que ele está trabalhando para remir por meio da vida, da morte e da ressurreição de seu Filho.
Assim, experimentamos alegria e tristeza, principalmente quando conhecemos Deus de modo pessoal e salvífico.
Observe o que é que traz a alegria. No versículo 24, o Pregador aceita algumas das atividades que ele já havia rejeitado como incapazes de dar sentido à vida.
Antes, ele concluiu que o trabalho era um TÉDIO TOTAL e que nem mesmo os prazeres da comida e bebida conseguiam satisfazer a sua alma.
Mas agora ele come e bebe e encontra alegria em sua labuta.O que provoca essa diferença entre alegria e tristeza? É Deus.
Até agora, em Eclesiastes, Deus praticamente não foi mencionado, e quando foi mencionado (1.13), ele parecia ser parte do problema.
Mas aqui a presença de Deus faz toda a diferença. Segundo o versículo 25, ninguém consegue encontrar qualquer alegria verdadeira em qualquer coisa separado dele.
Por isso, se alguém estiver tendo dificuldades de encontrar alegria na vida, isso se deve ao fato de Deus não ocupar o centro das coisas.
Em contrapartida, o comer e o beber que o Pregador desfruta no versículo 24 vêm diretamente “da mão de Deus”.
Ele parou de tentar obter prazer para si mesmo e começou a aceitá-lo como dádiva graciosa.
Ele começou a colocar em prática o princípio que, mais tarde, Paulo ensinou ao jovem Timóteo — um princípio fundamental que podemos aplicar a muitas situações na vida:
“Tudo que Deus criou é bom, e, recebido com ações de graças, nada é recusável, porque, pela palavra de Deus e pela oração, é santificado” (1 Tm 4.4-5).
A afirmação de Paulo não é um argumento em favor deLICENCIOSIDADE TOTAL quando se trata das escolhas que fazemos sobre o que comer e beber, mas é um chamado para a liberdade cheia de gratidão.
Prazeres terrenos são uma dádiva de Deus. Eles têm seus limites, é claro, de modo que nunca nos darão satisfação eterna. Mas a alegria legítima que eles trazem nos encorajam na ADORAÇÃO DE DEUS.
Existem poucas coisas melhores na vida do que receber suas bênçãos terrenas como dádivas e então agradecer-lhe por elas.
“Não é estranho”, pergunta Ray Stedman, “que quanto mais você corre atrás da vida, tentando recuperar o fôlego após cada prazer, menos você encontra.
Mas quanto mais você receber a vida como um presente das mãos de Deus, respondendo com gratidão pela alegria do momento, mais o prazer parece vir em sua direção”.
É estranho, mas é verdade: quando aprendemos a receber as coisas boas da vida como DÁDIVAS em vez de vê-las como algo a que temos DIREITO, experimentamos uma alegria genuína e gratidão verdadeira.
“Portanto, quer comais, quer bebais“, dizem as Escrituras, “ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus” (1Co 10.31).
O trabalho também é uma dádiva que recebemos das mãos de Deus. Isso tem sido verdade desde o início.
As vezes, imaginamos que Adão e Eva não tinham nada a fazer no Jardim do Éden, mas, na verdade, Deus lhes deu um trabalho duro a fazer (Gn 1.28; 2.15).
O trabalho é uma das ORDENAÇÕES DA CRIAÇÃO parte da bondade original de Deus.
No poema épico “O Paraiso perdido”, de John Milton, Adão celebra a bondade de Deus na dadiva do trabalho:
“O homem tem seu trabalho diário seja de corpo ou de mente que lhe foi atribuído, que declara sua dignidade / e o respeito pelo céu em todos os seus caminhos”.
Infelizmente, por causa do pecado de Adão, nosso trabalho foi amaldiçoado, o que transforma nossa labuta em desgosto e problema.
Mas ainda há uma bondade básica no trabalho que vem do nosso Criador.
Fomos feitos à imagem de um DEUS TRABALHADOR, e, por isso, temos a capacidade de encontrar PRAZER NO PRÓPRIO TRABALHO, independentemente da recompensa ou salário que ganhamos ao trabalhar.
O trabalho é o exercício e a função natural do homem – da criatura feita à imagem de seu Criador. Portanto, quando trabalhamos, sentimos seu prazer.
O modo de experimentar esse prazer é trabalhar para Deus em vez de para nós mesmos.
É tão fácil emaranhar-nos em nossa ambiciosa carreira, na nossa agenda de trabalho e nosso salário sem jamais parar para pensar se o nosso trabalho agrada a Deus – TANTO O QUE FAZEMOS COMO A FORMA COMO O FAZEMOS.
O trabalho difícil é mais recompensador e até mais prazeroso quando é feito para a glória maior de Deus.
Para o crente; Cristo, ele é o nosso verdadeiro Empregador, Chefe e Mestre supremo, o Salvador que deu sua vida por nossos pecados.
Não importa qual seja o nosso trabalho – se trabalhamos como professor ou estudante, construtor ou marceneiro, comprador ou vendedor, trabalhar num escritório ou numa fábrica, na área alimentícia ou financeira, estamos trabalhando para Cristo e para o seu reino.
Em outras palavras: estamos trabalhando debaixo do Filho, e não simplesmente debaixo do sol.
Então, as Escrituras nos dão este mandamento:
“Tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como para o Senhor e não para homens, cientes de que recebereis do Senhor a recompensa da herança. A Cristo, o Senhor, é que estais servindo” (Cl 3.23-24; cf. Ef 6.5-8).
- O fruto do nosso trabalho
A herança de uma recompensa nos leva de volta para um assunto que já contemplamos acima: O que o trabalhador recebe em troca de toda sua labuta?
O Pregador havia começado a se perguntar se não ganharia nada de tudo o que há debaixo do sol, em parte porque ele teria de deixar tudo para trás e em parte porque o seu trabalho parecia ser nada além de labuta e dificuldade.
Mas quando trouxe Deus de volta para a sua visão, ele encontrou esta recompensa:
“Porque Deus dá sabedoria, conhecimento e prazer ao homem que lhe agrada, mas ao pecador dá trabalho, para que ele ajunte e amontoe, a fim de dar àquele que agrada a Deus. Também isto é vaidade e correr atrás do vento”. (Ec 2.26).
Aqui, o Pregador faz uma distinção clara entre dois tipos de pessoas: aquelas que estão debaixo do “favor de um Deus gracioso” e aquelas que estão perdidas em seus pecados.
Isso pode parecer um tipo de JUSTIÇA POR MÉRITO: coisas boas acontecem a pessoas boas, enquanto coisas ruins acontecem a pessoas más.
Há também alguns estudiosos que consideram esse versículo arbitrário e caprichoso: Deus recompensa algumas pessoas e castiga outras, e não há nada que possamos fazer a esse respeito – tudo faz parte da vaidade da vida.
Mas o que vemos aqui é uma distinção cuidadosa entre pessoas que aceitam a misericórdia de Deus e pessoas que rejeitam e persistem em seus pecados.
Observe como as pessoas que agradam a Deus são descritas — como recebedoras agradecidas de bênçãos espirituais.
Deus lhes deu “sabedoria”, que, pela primeira vez no livro, é descrita como dádiva divina e não mais como empreendimento humano.
Com a sabedoria vem o “conhecimento” e também verdadeira “alegria” espiritual. A razão pela qual essas pessoas agradam a Deus é que elas têm sido abençoadas por Deus.
O contraste aqui, é entre os GRATIFICANTES DONS ESPIRITUAIS de Deus (sabedoria, conhecimento, alegria), que apenas aqueles que agradam a Deus podem desejar ou receber.
E de outro lado O EMPREENDIMENTO FRUSTRANTE de acumular aquilo que não pode ser guardado, que é um empreendimento de muitos daqueles que rejeitam a Deus.
Se vivermos para o prazer de Deus, seremos ricamente recompensados com todas as bênçãos espirituais que Deus ama conceder.
Mas para o pecador impenitente não há recompensa, apenas perda. Essa é a primeira vez em que o Pregador fala diretamente sobre o pecado, que se tornará um tema importante no restante do livro.
Uma das maiores vaidades debaixo do sol é a DEPRAVAÇÃO HUMANA. E “o pecador” que considera o trabalho uma completa frustração e, por isso, sofre a vaidade do versículo 26.
O pecador se concentra em acumular e colecionar; em outras palavras, sua vida é dominada pela aquisição e pelo acúmulo de bens de consumo.
Mais cedo ou mais tarde, porém, ele terá de deixar tudo para trás. ENTÃO, ELE OS ENTREGARÁ A ALGUÉM QUE AGRADA A DEUS – isso é realmente vaidade.
Às vezes, a transferência de posses ocorre ainda em vida. Há alguns bons exemplos disso na Bíblia:
Labão perdeu seu rebando para Jacó; como os cananeus que perderam as suas cidades para os filhos de Israel, ou Hamã que teve de vestir seu inimigo mortal em vestes reais, que ele acreditava ter conquistado para si mesmo (veja Et 6).
A história humana está cheia de exemplos desses. Philip Ryken, presidente faculdade de Wheaton, um pastor reformado, diz que um exemplo mais recente disso, provém da história da comunidade holandesa perto de Pella, no Iowa.
Durante a Primeira Guerra Mundial, quando seu avô era um garoto, os fazendeiros holandeses locais foram vítimas de uma perseguição organizada.
Isso se devia principalmente ao fato de sua língua se parecer tanto com o alemão, mas podem ter existido também outras razões — sua prosperidade, sua ética de trabalho, seu forte compromisso com Cristo.
Qualquer que tenha sido a razão, suas fazendas sofreram vandalismo, suas propriedades foram queimadas e suas vidas foram ameaçadas.
Então logo, o FBI enviou seus investigadores. Eles solucionaram o caso quando um dos líderes dos vândalos se gabou de seus planos na frente de um agente secreto num bar local. Os criminosos foram presos.
Nos anos seguintes, os perseguidores sofreram tremendas perdas e foi quando muitos deles foram obrigados a declarar falência.
Então suas fazendas foram compradas a preço de banana por fazendeiros holandeses, e assim as Escrituras se cumpriram: os pecadores acumularam apenas para entregar tudo o que tinham para aqueles cujo trabalho agradava a Deus.
Isso não acontece sempre, é claro — pelo menos, não imediatamente. Na verdade, uma das vaidades de um mundo caído é que, enquanto os justos sofrem aflições, muitos pecadores parecem prosperar.
Mas isso não será assim para sempre. No fim da história, a riqueza de todas as nações será levada para o reino do céu (veja Ap 21.24). Os mansos realmente herdarão a terra, como Jesus prometeu (Mt 5.5).
Segundo a justiça da providência soberana de Deus, seu povo receberá o que os pecadores acumularam.
Como disse Jesus: “A todo o que tem dar-se-lhe- á; mas ao que não tem, o que tem lhe será tirado” (Lc 19.26).
Entrementes, temos a recompensa do nosso trabalho não só o fruto do nosso trabalho, mas o próprio trabalho.
Deus nos deu um bom trabalho. Fazemos esse trabalho sabendo que Jesus já fez todo o trabalho da nossa salvação.
Uma das razões pelas quais os cristãos falam tanto sobre “a obra de Cristo” é porque foi assim que Jesus falou.
“Meu Pai trabalha até agora“, disse Jesus, “e eu trabalho também” (Jo 5.17). “A minha comida consiste em fazer a vontade daquele que me enviou e realizar a sua obra” (Jo 4.34).
Jesus Cristo era um trabalhador. Lembre-se principalmente do enorme peso que ele suportou na cruz, quando carregou todo o fardo do nosso pecado até a morte — aquilo que os teólogos chamam de “obra consumada de Cristo”.
Jesus ainda está trabalhando, não acrescentando qualquer coisa ao seu sacrifício pelo pecado, mas por meio do ministério de sua igreja (veja Jo 9.4: At 1.1.’1; Lc 4.12).
Participamos dessa boa obra oferecendo o evangelho às pessoas, cantando louvores a Deus, amando nossos próximos, orando pela vinda do reino de Deus, doando generosamente ao ministério cristão.
Participamos dessa boa obra também cumprindo nossas tarefas diárias comuns de uma maneira que dê glória a Deus. Isso também é trabalho do reino.
Como disse MANINHO LUTERO certa vez: “O mundo inteiro deveria estar cheio de serviços a Deus, não só nas igrejas, mas também nos lares, nas cozinhas, nos porões, nas oficinas e nos campos”.
CONCLUSÃO: Você está encontrando a força de Deus no trabalho que ele lhe deu? Thomas Hughes expressa a “alegria do trabalho do reino”no romance: Os dias de escola de Tom Brown’s.
Um dos colegas de Tom Brown na escola é George Arthur, um garoto piedoso, de saúde fraca que contrai uma febre possivelmente fatal. Arthur nunca foi forte o bastante para correr, escalar, brincar e lutar como os outros garotos.
Durante sua doença, ele teme que jamais será capaz de trabalhar como os outros homens.
No entanto, certa noite, ele tem um sonho que enche seu coração de alegria numa visão do reino de Deus. E é assim que Arthur a descreveu:
E na margem oposta do grande rio, vi homens e mulheres e crianças; as lágrimas haviam sido enxugadas; eles se revestiram de glória e força; e toda fraqueza e dor se afastaram deles.
E eles se dedicaram à mesma grande obra. Todos eles trabalharam. Cada um trabalhou de uma maneira diferente, mas todos na mesma obra. E eu vi com meus próprios olhos, Tom; até eu estava trabalhando e cantando”.
Independentemente daquilo que você faça na vida, você está ocupado com a grande obra de Jesus’?
Cada um trabalha de forma diferente, mas tudo faz parte da mesma obra, para a glória de Deus.
Por isso, “sede firmes, inabaláveis e sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o vosso trabalho não é vão” (1 Co 15.58).
O céu é não é lugar de ociosidade; mas um lugar de trabalho santo, “E ali nunca mais haverá maldição contra alguém; e nela estará o trono de Deus e do Cordeiro, e os seus servos o servirão. (Ap 22:3).
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