Série de sermões expositivos sobre o livro de Jonas. Sermão Nº 12 – A graça do arrependimento. Referência: Jonas 4:1-5. Pregação do Pastor Jairo Carvalho em 27/03/2019.

INTRODUÇÃO

Robert Murray McCheyne diz que até as nossas lágrimas de arrependimento estão manchadas pelo pecado. O capítulo 4 de Jonas encerra o relato bíblico desse profeta fascinante com sua reação ao grande arrependimento público dos ninivitas. Enquanto nos preparamos para nos despedir das nossas exposições do livro de Jonas, fazemos bem lembrando-nos de sua progressão na escola da graça do Senhor. Anteriormente, Jonas havia sido usado pelo Senhor para transmitir uma mensagem ao rei Jeroboão II, informando a este rei perverso a misericórdia que Deus oferecia a ele sem ser merecida (2Rs 14.25-27). Ao invés de enviar seu julgamento Deus envia suas grandes bênçãos misericordiosas.

O livro de Jonas começa com Deus dando outra missão a Jonas que ampliaria ainda mais sua compreensão da graça, convocando-o para pregar na perversa capital assíria de Nínive. Diante disso, o profeta desabou. Entregando-se à amargura, fugiu “…da presença do Senhor” (Jn 1.3), embarcando num navio a caminho do porto distante de Társis. Em reação a isso, “… o Senhor lançou sobre o mar um forte vento, e fez-se no mar uma grande tempestade, e o navio estava a ponto de se despedaçar” (Jn 1.4). Com um espírito amargurado, Jonas aconselhou os marinheiros pagãos que o jogassem no mar. O capítulo 1 poderia ter terminado como conto clássico de pecado e julgamento. Mas Jonas aprendeu que, assim como ele não podia fugir da presença de Deus, também não podia fugir da mira da graça de Deus: “Preparou o Senhor um grande peixe, para que tragasse a Jonas” (Jn 1.17).

Na barriga do peixe, Jonas encontrou a graça para se arrepender. Seu arrependimento e sua fé renovada se expressam nas palavras clássicas: “Ao Senhor pertence a salvação!” (Jn 2.9). O arrependimento e a fé inspiraram também uma FIDELIDADE RENOVADA, pois o capítulo 3 documenta a obediência de Jonas à ordem de Deus de pregar na Nínive ímpia. Numa manifestação incrível de poder divino, a pregação de Jonas provocou uma das maiores expressões de arrependimento: “Os ninivitas creram em Deus, e proclamaram um jejum, e vestiram-se de panos de saco, desde o maior até o menor” (Jn 3.5). Diante de tudo isso, esperaríamos que a história de Jonas terminasse em triunfo. Mas o capítulo 4 conta outra coisa.

A história de Jonas nos lembra de que poucos cristãos seguem uma ascensão em linha reta da descrença para a fé gloriosa e vitoriosa. Em vez disso, tendemos a progredir com passos e paradas, avanços e tropeços. Mostra também como muitos dos nossos arrependimentos não são tão profundos como parecem ser. Mostra o perigo de pregar aos outros e não usufruir o poder da mensagem que pregou.Mostra que podemos ser canal de bênçãos para os outros e nós mesmos não desfrutarmos dessas bênçãos.

Jonas teve uma experiência e uma compreensão tão maravilhosa da graça e da misericórdia de Deus que, em termos humanos, esperaríamos que ele jamais voltasse a ter algum outro problema sério. Pois, após ver Deus de forma tão extraordinária em sua própria vida, ele deveria estar preparado para a viver uma vida abundante. No entanto, Jonas nos mostra que, quando se trata de crescer na graça de Deus, nenhum de nós está preparado para o restante da vida. Todos nós precisamos de um crescimento contínuo e perpétuo na graça de Deus. Assim, o último capítulo de Jonas começa com o relato mais perturbador: “Com isso, desgostou-se Jonas extremamente e ficou irado” (Jn 4.1).

I. A IRA DE JONAS

Parecia que Jonas havia chegado longe em sua jornada espiritual, mas aqui o vemos de volta ao mesmo ponto em que estivera no início. Deus havia salvado Jonas e usado o profeta para o bem de sua graça. Mas em vez de alegrar sobre a decisão de Deus de recuar do julgamento de Nínive, Jonas ardia de raiva.  A base para a queixa de Jonas é informada em Jonas 4.2: “Ah! Senhor! Não foi isso o que eu disse, estando ainda na minha terra? Por isso, me adiantei, fugindo para Társis, pois sabia que és Deus clemente, e misericordioso, e tardio em irar-se, e grande em benignidade, e que te arrependes do mal”. Isso mostra que o arrependimento anterior de Jonas não havia sido tão profundo quanto aparentara ser. Ele justifica sua antiga conduta pecaminosa, baseando-se num argumento amargurado e equivocado dos atributos divinos. Em vez de reconhecer que ele pecou ao desobedecer a Deus, agora ele justifica seus erros mostrando que ele tinha razão o tempo todo: “Eu sabia que tu perdoarias a esses ninivitas perversos!”. Diferentemente da maioria das pessoas que peca por desconhecer aquilo que Deus realmente é, o coração de Jonas se rebela justamente porque ele conhece a verdade sobre Deus e porque essa verdade conflita com os desejos de seu próprio coração.

Podemos abordar a raiva de Jonas sob três perspectivas.

1. O ressentimento hipócrita de Jonas.

A primeira e mais óbvia é seu ressentimento por causa da misericórdia de Deus para com os pecadores. Jonas se dedicara ao julgamento dos ímpios; é isso que parecia ser correto aos seus olhos. Quando a ira de Deus em relação a Nínive acaba, a raiva de Jonas continua a arder. Jonas se irrita porque acredita que Deus está “DANDO MOLE” ao pecado. O Senhor Deus estava se regozijando na presença dos anjos enquanto pecadores se arrependiam, mas Jonas estava ardendo em sua insatisfação e em sua repulsa amargurada. É tentador pensar que Jonas se esqueceu de que ele também era pecador. Mas seu caso exige uma resposta mais complexa.

É mais provável que Jonas simplesmente tenha acreditado que existiam pecadores e pecadores. Ele fazia parte da primeira categoria: Ele era uma pessoa basicamente boa e religiosa, embora com algumas questões a serem resolvidas. Enquanto os ninivitas pertenciam à segunda categoria de pecadores perversos da pior espécie e que merecem o julgamento e a destruição. Muitas pessoas pensam assim. Enquanto reconhecem questões pecaminosas em sua vida, elas acham que não merecem ser mandadas para o inferno. Quando você menciona um pecador realmente grande — alguém como Adolf Hitler ou Osama bin Laden —, elas concordam prontamente que esse pecador merece a ira de Deus.

Mais uma vez, Jonas nos mostra que o único caminho para a graça de Deus é que todos reconheçam sua necessidade dela para o perdão de suas próprias transgressões da santa lei de Deus. Talvez o melhor comentário sobre a atitude de Jonas tenha sido feito por Jesus em uma de suas parábolas mais famosas, a parábola do filho pródigo. Enquanto muitas pessoas amam essa história, a maioria não entende sua essência. Jesus contou a história de um filho que exigiu sua parte da herança com antecedência. Quando a recebeu, viajou para longe, gastando o dinheiro de forma pecaminosa. Em consequência disso, tornou-se pobre, caindo tão fundo a ponto de invejar os porcos pela comida que recebiam. Nessa condição, o filho recuperou seu bom senso e resolveu voltar para casa. Ele já não queria mais ser filho, mas se satisfaria com a posição de servo. No entanto, quando ele se aproximou, seu pai o viu. Correndo ao encontro do seu filho, o pai “… o abraçou, e beijou” (Lc 15.20).Chamando seus servos, colocou um manto rico sobre os ombros do filho, um anel em seu dedo e sapatos em seus pés. Então, a comunidade inteira celebrou o retorno do filho pródigo com uma grande festa. O pai exclamou: “… este meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado” (Lc 15.24).

A maioria das pessoas gosta dessa parábola como imagem do amor misericordioso pelos pecadores perdidos que voltam para casa. E estão certas. Mas essa não era a mensagem primária da parábola de Jesus. Para entende-la, precisamos continuar a nossa leitura, onde encontramos o irmão mais velho que cheio de RESSENTIMENTO com a misericórdia demonstrada ao caçula. Ele nunca havia fugido com o dinheiro do pai. Ele nunca havia desonrado o nome de seu pai. “Nunca”, ele se queixa, “me deste um cabrito sequer para alegrar-me com os meus amigos; vindo, porém, esse teu filho, que desperdiçou os teus bens com meretrizes, tu mandaste matar para ele o novilho cevado” (Lc 15.29-30). Você reconhece a postura de Jonas nas palavras do irmão mais velho? Jonas quer morrer porque Deus demonstrou sua misericórdia para com os ninivitas desprezíveis e o Senhor usou o Jonas amargurado para fazer isso!

Jesus conclui sua parábola dizendo: “Digo-vos que, assim, haverá maior júbilo no céu por um pecador que se arrepende do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento” (Lc 15.7). A alegria da salvação! A maravilha da graça de Deus! Se quisermos compreender o coração de Deus, precisamos entender seu regozijo diante da redenção. Não existe glória no céu ou na terra que se compare com a glória do perdão do pecado. Mas, assim como o irmão mais velho na parábola de Jesus, Jonas acreditava que os pecados dos ninivitas deveriam ser condenados e julgados. Ele não percebeu que, para Deus, era mais glorioso providenciar seu perdão por meio do arrependimento e da fé.

2. Hostilidade ciumenta de Jonas

Uma segunda perspectiva sobre a ira de Jonas resulta de sua hostilidade diante da salvação dos gentios. Vemos isso em sua ênfase em “minha terra” (Jn 4.2). Jonas podia aceitar a graça de Deus para seus conterrâneos, mas não para pagãos estrangeiros como os ninivitas. Ele sabia, diz ele, que Deus é gracioso e misericordioso, tardio em irar-se e grande em benignidade. No entanto, acreditava que era errado que essas bênçãos fossem concedidas aos gentios — especialmente a gentios que haviam demonstrado tanta violência contra o povo da aliança de Deus, contra a nação de Israel. Na mente de Jonas, esse conhecimento de Deus era propriedade exclusiva de Israel. Jonas pensava: “Por que os gentios deveriam usufruir das bênçãos da aliança que pertencem exclusivamente a Israel?”.

Podemos criticar essa visão com a ajuda de outra parábola de Jesus — a parábola dos trabalhadores no vinhedo. Alguns homens haviam trabalhado o dia inteiro no vinhedo, e cada um recebeu um denário como pagamento. Mas souberam que outros trabalhadores, que haviam trabalhado apenas durante a última hora, também receberam um denário como salário. Então resmungaram: “Estes últimos trabalharam apenas uma hora; contudo, os igualaste a nós, que suportamos a fadiga e o calor do dia” (Mt 20.12). Mas o proprietário respondeu: “Amigo, não te faço injustiça; não combinaste comigo um denário? Toma o que é teu e vai-te; pois quero dar a este último tanto quanto a ti. Porventura, não me é lícito fazer o que quero do que é meu? Ou são maus os teus olhos porque eu sou bom?” (Mt 20.13-15). Jonas ficou ressentido com a GENEROSIDADE DE DEUS concedida a Nínive, e por se tornou hostil e ciumento.  Pensando que Deus estava enganando seu antigo povo de Israel.

3. O desgosto soberbo de Jonas.

Isso nos leva à última perspectiva sobre a raiva de Jonas: seu desgosto em relação à vontade de Deus. O Senhor o desafiou: “É razoável essa tua ira?” (Jn 4.4). Por meio de seus atos, Jonas respondeu: “Sim, ela é!”. Para Jonas, faltava justiça ao propósito salvífico de Deus. E isso parece ter sido a causa da birra dele: “Peço-te, pois, ó Senhor, tira-me a vida, porque melhor me é morrer do que viver” (Jn 4.3). Se Jonas fosse Deus, como as coisas seriam diferentes! O plano da graça de Deus é tão ofensivo que Jonas não quer mais viver: “Apenas sobre o meu cadáver” é que isso vai acontecer, veja a reação violenta dele à graça de Deus”.

A reação de Jonas revela um coração muito soberbo. Pois, como Jonas poderia crer que sua avaliação das coisas era melhor do que a de Deus? O apostolo Paulo, lida com esta mesma questão em Romanos 9:1-33. Os judeus continuavam com a mesma objeção à doutrina da graça. Paulo inicia o capítulo mostrando que ele poderia ter o mesmo sentimento de Jonas, e assim desejar ser anátema de Cristo, por amor aos Judeus de quem são todas as promessas e alianças. Ele indaga: “Há injustiça da parte de Deus?” (Rm 9.14); em oferecer os privilégios dos judeus para os gentios para a salvação. Eles podem questionar:  “Isso não é injusto?”. Paulo respondeu: “De modo nenhum! Pois ele diz a Moisés: Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia” (Rm 9.14-15).

Quando o assunto é a salvação dos pecadores, a categoria adequada é a misericórdia de Deus e não a sua justiça. Alegar injustiça como Jonas fez, seria confundir as categorias: ninguém merece ser salvo; se alguém é salvo, isso ocorre apenas por causa da misericórdia de Deus. Paulo continua: E se Deus, querendo mostrar a sua ira e tornar conhecido o seu poder, suportou com grande paciência os vasos de sua ira (gentios), preparados para destruição? Que dizer, se ele fez isto para tornar conhecidas as riquezas de sua glória aos vasos de sua misericórdia, que preparou de antemão para glória, (Rm 9:22,23)

Essa é uma objeção comum a graça. Mas veja a resposta de Paulo: “Quem és tu, ó homem, para discutires com Deus?” (Rm 9.20). Paulo está respondendo a todas as indagações de Jonas. O profeta está acusando Deus a partir da tolice de sua perspectiva egoísta e pecaminosa. Observe que Deus nem responde a Jonas. Este quer morrer por causa da graça de Deus; a ideia de justiça do profeta se chocou contra a realidade da misericórdia divina. Mas quão melhor é para Jonas e para nós simplesmente deixar que Deus nos fale de sua salvação.

Um exemplo melhor a seguir é o de Jó, que expressou queixas sobre os caminhos de Deus até encontrar o Senhor face a face. Então, mudou de opinião e também toda a sua abordagem à verdade de Deus: “Sou indigno; que te responderia eu? Ponho a mão na minha boca” (Jó 40.4). Jó nos oferece um bom exemplo de se sentar humildemente sob a Palavra revelada de Deus e de ser instruído por Deus em vez de confiar em nossas ideias sobre ele. O pedido de morte de Jonas, por sua vez, nos adverte contra a tolice suicida de colocar a sabedoria humana contra a mente e o coração de Deus.

3. JONAS CAI DA GRAÇA.

Em sua epístola aos gálatas, o apóstolo Paulo denuncia seus adversários, dizendo: “Vocês caíram da graça“. Eles haviam começado bem, mas agora tomaram um caminho diferente. Eles estavam mudando os fundamentos da justificação pela fé. Então Paulo argumenta com seus adversários: Vocês se afastaram da doutrina da graça: “… vós que procurais justificar-vos na lei; da graça decaístes” (Gl 5.4). O mesmo argumento poderia ser levantado contra Jonas. Ele concordou com a graça de Deus para Israel; mas rejeitou a graça de Deus para todos os outros! Isso suscita uma pergunta sobre a validade do arrependimento anterior de Jonas, já que ele efetivamente o renuncia aqui. Mas não deveríamos duvidar da autenticidade do arrependimento de Jonas. Afinal de contas, não só se voltara para o Senhor em busca de salvação, mas também seguiu ao chamado do Senhor. Como, então, podemos explicar essa mudança no coração de Jonas?

1. O orgulho espiritual de Jonas.

Há um erro fatal no pensamento de Jonas sobre a salvação. Ele não rejeita a salvação pela graça, ele a recebeu dentro da barriga do peixe. Mas ele não entende a extensão dessa graça. Por trás disso se esconde o seu orgulho espiritual, que imagina que apenas Israel merece ser salvo pela graça. Ele está com raiva de Deus porque Deus não está fazendo o que Jonas quer que ele faça. O que Jonas quer é que Deus recompense apenas Israel com compaixão e graça e não os seus desafetos. Como essa síndrome é comum! Alguns cristãos pensam assim em termos de etnia. Se Deus é por nós, ele precisa ser contra eles. É justo Deus demonstrar sua graça para a nossa etnia — não importa se somos brancos, negros ou morenos —, mas não aos membros do outro grupo. Pensamos assim também em termos nacionalistas, especialmente em tempos de guerra. Se Deus deve abençoar nossa nação, ele precisa julgar nossos inimigos.

Mas estamos preparados para que Deus demonstre sua misericórdia àqueles que nos odeiam? Pensamos dessa forma principalmente em relação às divisões dentro da igreja. Se Deus abençoa o nosso grupinho santo, ele precisa castigar aqueles que se opõem nossas ideias. Olhamos em volta e vemos igrejas que aparentam não estar seguindo a Palavra de Deus. “Elas não merecem experimentar a graça de Deus”, dizemos. Se um reavivamento pelo Espírito de Deus ocorrer nessas igrejas, podemos ficar DECEPCIONADOS ou até mesmo com raiva de Deus. Jesus pergunta: “… são maus os teus olhos porque eu sou bom?” (Mt 20.15). Se Paulo pôde regozijar-se quando Cristo era pregado, “POR MOTIVOS BONS OU RUINS”, podemos fazer o mesmo quando vemos Cristo sendo pregado hoje e vidas são transformadas por sua graça!

2. Amargura arraigada de Jonas.

Mais significativo do que o erro no pensamento de Jonas é o problema do seu coração. E o coração de todo o problema é o problema do coração. Jonas revela uma AMARGURA profundamente arraigada contra os ninivitas. Essa amargura foi alimentada pelos pecados de Nínive contra seu povo. O caso de Jonas era um caso avançado do tipo de RESSENTIMENTO que estraga tantos corações. Uma mulher é traída por seu marido, por isso alimenta uma AMARGURA contra homens. Um membro de igreja é engando pelo seu Pastor, então alimenta amargura, e se opõe contra todo tipo de liderança pastoral.

Essa amargura pode envolver também ódio contra outras nações, contra igrejas, contra denominações. Esse ódio amargurado pode ser contra famílias ou diferentes lugares. Observe o que essa doença no coração causa na vida espiritual de Jonas, pois uma recusa de amar outras pessoas sempre envenena nosso relacionamento com Deus. “Eu sabia que perdoarias a Nínive!”, ele reclama. Por causa de seu ódio contra Nínive, ele fugiu da presença de Deus, quase arruinando sua alma eterna. Agora, após testemunhar em Nínive uma demonstração grandiosa da glória da graça de Deus, Jonas arde em raiva. Se os assírios estão incluídos no amor de Deus, então Jonas não quer fazer parte disso. Se Deus demonstrar seu amor a Nínive, Jonas não irá querer o amor de Deus. Se os assírios podem ir para o céu, então ele prefere o inferno.

3. O Perdão gracioso.

Nesse contexto, entendemos por que o Novo Testamento dá tanto destaque ao espírito do perdão. Nosso coração não pode estar bem com Deus se não estiver bem com os homens. Jesus disse: “Se, (…), ao trazeres ao altar a tua oferta, ali te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa perante o altar a tua oferta, vai primeiro reconciliar-te com teu irmão; e, então, voltando, traze a tua oferta” (Mt 5.23-24). Paulo afirma que, se tivermos uma queixa contra um irmão, devemos “[perdoar-nos] mutuamente, caso alguém tenha motivo de queixa contra outrem. Assim como o Senhor vos perdoou, assim também perdoai vós” (Cl 3.13). Observe que Paulo não diz que devemos perdoar uns aos outros quando eles merecerem, nem mesmo quando eles tiverem se arrependido. Perdoamos em gratidão pelo fato de Deus ter nos perdoado.

Perdoamos aos outros porque estamos cientes de que recebemos um perdão muito maior, muito mais caro, por meio do sangue de Jesus. O perdão é tão essencial à nossa salvação que Jesus disse: “… se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celeste vos perdoará; se, porém, não perdoardes aos homens [as suas ofensas], tampouco vosso Pai vos perdoará as vossas ofensas” (Mt 6.14-15). Ele não quis dizer que merecemos perdão porque perdoamos os outros, mas que um espírito que não perdoa é alheio à graça de Deus, de forma que é fundamentalmente inconsistente receber o perdão de Deus e não estendê-lo ao outro.

Em nossa avaliação do estado espiritual de Jonas, recorremos aos conselhos das parábolas de Jesus, e aqui outra parábola pode nos ajudar a reconhecer a importância de uma postura misericordiosa diante de outros pecadores. Determinado servo devia ao seu rei uma grande quantia de dinheiro. O homem não podia pagá-la, por isso sua família deveria ser vendida para a escravidão. Mas o homem se aproximou do rei e implorou por misericórdia. “… o senhor daquele servo, compadecendo-se, mandou-o embora e perdoou-lhe a dívida” (Mt 18.27). Pouco tempo depois, o servo encontrou um servo colega seu que lhe devia uma quantia muito menor. Mas, quando este homem implorou pelo seu perdão, ele se recusou e mandou prender o homem. O rei ficou sabendo disso. Então, chamou seu servo e o repreendeu por sua falta de misericórdia, jogando-o na prisão. Jesus concluiu: “Assim também meu Pai celeste vos fará, se do íntimo não perdoardes cada um a seu irmão” (Mt 18.35).

III. O CRESCIMENTO DE JONAS NA GRAÇA

Essa parábola nos mostra como era pouco firme o solo sobre o qual Jonas se colocara. Na verdade, isso nos permite reconhecer exatamente sua atitude espiritual: “Então, Jonas saiu da cidade, e assentou-se ao oriente da mesma, e ali fez uma enramada, e repousou debaixo dela, à sombra, até ver o que aconteceria à cidade” (Jn 4.5). Alimentando sua malícia contra Nínive, Jonas se separa da cidade e a observa. Sem dúvida alguma, ele está alimentando sua ira e esperando que seu arrependimento não dure. Ao concluirmos nossa avaliação de Jonas, a despeito de todos os sinais desencorajadores que reconhecemos em sua atitude perante o arrependimento de Nínive, existe, mesmo assim, alguma evidência de seu crescimento na graça.

1. Jonas ora mesmo com raiva.

Devemos observar uma diferença enorme entre o Jonas do capítulo 4 e o Jonas do capítulo 1. Quando ele foi chamado pela primeira vez para pregar em Nínive, respondeu fugindo da presença do Senhor. Mas agora, apesar de toda sua amargura em relação ao arrependimento de Nínive, Jonas reage voltando-se para o Senhor: ele “… orou ao Senhor” (Jn 4.2). Não há como exagerarmos a importância da oração. Principalmente quando estamos com, dúvidas, amargurados ou desapontados a oração sempre será o melhor remédio. Jonas quando estava agitado e alarmado, ele fugiu do Senhor. E agora, novamente agitado e alarmado, ele foge para o Senhor. Ele não procura se refugiar de Deus. Ele faz de Deus o seu refúgio.

O sentimento que leva Jonas a orar, não é para se deleitar ou ter comunhão com Deus. Ele está orando para reclamar da bondade de Deus. Ele está irado porque Deus é tardio em irar-se. Ele ora mesmo com raiva de Deus. Ele ora para reclamar de Deus.  Sua oração é um pretexto para lançar no rosto de Deus, a ideia de que ele estava certo desde o início e Deus errado. Ele quer morrer porque os outros querem viver. Ele está tão irritado com Deus que ele pede a morte. Deus não se ressente das críticas e responde sua oração perguntando: Está certo o motivo pelo qual você está irado? Essa ira te faz bem?

2. Jonas demora aprender.

Jonas lembra a experiência de Asafe no salmo 73. Asafe confessa que ele invejava a “prosperidade dos perversos” (Sl 73.3). Em decorrência disso, diz ele, “… quase me resvalaram os pés; pouco faltou para que se desviassem os meus passos” (v. 2); ‘…o coração se me amargou” (v. 21). Como, então, ele impediu a queda definitiva? “Em só refletir para compreender isso, achei mui pesada tarefa para mim; até que entrei no santuário de Deus” (v. 16-17). Asafe se voltou para Deus. E na casa de Deus ele se lembrou do sério perigo dos perversos. “Tu certamente os pões em lugares escorregadios e os fazes cair na destruição”, ele entendeu. “Como ficam de súbito assolados, totalmente aniquilados de terror!” (v. 18-19). Em vez de ficar ressentido com o adiamento do julgamento de Deus, Asafe encontrou a gratidão pela sua própria salvação: “Quanto a mim”, ele conclui, “bom é estar junto a Deus; no Senhor Deus ponho o meu refúgio” (v. 28).

Tanto Jonas, como Asafe, demoraram a se regozijarem com a misericórdia de Deus, mas, ao voltarem para o Senhor, eles estavam tomando os passos para o caminho do crescimento e da recuperação espiritual. Esse é o tipo de crescimento que a maioria de nós também precisa. Precisamos entender que a graça de Deus não é uma ofensa ao nosso senso de justiça, mas a única esperança para a nossa própria salvação. Sempre devemos celebrar a graça e a misericórdia, pois por meio delas recebemos nosso próprio perdão. Em vez de recuarmos perplexos diante de Deus, devemos aprender a nos aproximarmos de Deus como nosso refúgio em oração. Jonas aprendeu isso e, por isso, estava avançando na direção certa. O crescimento cristão é um caminho, uma direção, para qual avançamos.

CONCLUSÃO

O que, então, acontece com Jonas no final? O encerramento do livro não nos dá uma resposta definitiva. Mas creio que temos boas razões para sermos esperançosos. Jonas está nas mãos do Deus gracioso, e o capítulo encerra com Deus guiando Jonas pacientemente em direção à graça. O fato de que o próprio Jonas deve ser o autor desse livro sugere que ele quer que aprendamos com sua experiência e cresçamos na graça com ele. Na verdade, essa é a abordagem correta à história de Jonas. Como nos sentimos em relação à misericórdia de Deus para aqueles que nos fizeram mal? Ressentimos a graça de Deus por outros? Ou nos regozijamos com cada demonstração de favor e misericórdia divina, lembrando-nos da benignidade que Deus demonstrou conosco? Como reagimos quando ficamos perplexos com as respostas das orações? O que fazemos quando Deus parece não responder às nossas orações como esperamos? Nós nos afastamos de Deus em raiva? Ou nos aproximamos de Deus, mesmo perplexos? O exemplo de Jonas sugere que Deus nunca é o problema, mas sempre a resposta. Ele nos ensina, sobretudo, que a graça dele deve sempre ser nossa glória e nosso prazer maior. Se começarmos a entender essas verdades poderosas, estamos crescendo na graça.