Série de sermões expositivos sobre o livro de Tito. Sermão Nº 01 – A doutrina e o sincretismo. Referência: Tito 1:1-4. Pregação do Pastor Jairo Carvalho em 08/5/2019.

INTRODUÇÃO [i]

Este sermão é uma introdução à carta mais breve e pastoral de Paulo a Tito e a igreja dos Cretenses. Política e geograficamente, Creta estava exposta às influências europeias ao norte, e às do Egito, Líbia e Cirene ao sul. Ela se achava situada em um Ponto favorável: era a maior de uma cadeia de ilhas que serviam como uma série conveniente de trampolins para o tráfico que se fazia entre a Grécia e a Ásia Menor. Seus portos eram muito importantes para os navios que atravessavam o Mediterrâneo, especialmente no mau tempo (At 27.7-14).

A ilha de Creta, de 260 quilômetros de comprimento, além de ser conhecida na antiguidade, foi também mencionada no Novo Testamento bem como no Antigo Testamento como terra dos filisteus, de nome Caftor (At 2.23; Jr 4.7; Am 9.7). Creta situava-se em um ponto de cruzamento entre a Ásia, a África e a Europa. A palavra “SINCRETISMO” vem dos cretenses. Em Creta, cada uma das numerosas cidades queria ser a mais autônoma possível em relação às demais. E em tempos de guerra se uniam tornando-se assim syn-cretenses (syn-cretismo). Nessa ilha tinha toda sorte de cultos, religiões, filosofias e linhas de pensamento

Esta carta contém orientações pastorais de um Pastor ancião, ao seu filho na fé Tito. Ensinando-lhe a maneira certa de agir à frente da igreja de Deus, como representante do apóstolo e pastor do rebanho. A grande ênfase dessa carta é a doutrina e pratica. A teologia e a piedade. A ortodoxia e a ortodopraxia. Ou seja, o ensino e o dever nas dimensões da igreja, da família e do mundo. Aqui a sucessão apostólica de caracteriza pela continuidade do ensino do apostolo que deveria ser preservado de geração a geração e não autoridade do cargo apostólico, que finda com a morte dos apóstolos.

Quanto ao termo “cartas pastorais”; entendo que seja adequado, apesar de deles não serem pastores de igrejas locais, em primeira mão. Mas estavam encarregados de autoridade para pastorear a igreja, até que outros líderes fossem levantados. Porque expor esta carta? Porque ela é absolutamente oportuna e contemporânea. Devido ao sincretismo religioso, a busca de conhecimento e falta de piedade. E por causa do pior de todos os males que assola a igreja dos nossos dias: A ortodoxia morta que promove o mundanismo.

I. A IMPORTÂNCIA DA CARTA.

Ela é totalmente necessária hoje e isso por várias razões:

1. Por causa da decadência dos Pastores

Há muitos pastores perdidos e confusos no ministério. Alguns estão cansados da obra e na obra (G1 6.9). Muitos são preguiçosos e não se afadigam na Palavra (1 Tm 5.17), sem vigiar o rebanho dos iminentes perigos (At 20.29,30) sem apascentar com conhecimento e inteligência o povo de Deus (Jr 3.15). Uma certa pesquisa feita, em nosso país, em que se constatou que as três classes mais desacreditadas da nação são os políticos, a polícia e os pastores.

A crise espiritual da igreja reflete a crise espiritual de seus líderes. A igreja é um reflexo de sua liderança. Se a vida do líder é a vida da sua liderança, os pecados do líder são os mestres do pecado. Isto porque uma das principais competência da liderança é influenciar. Por isso um líder nunca é neutro. Ele influencia sempre para o bem ou para o mal. e isso é algo autônomo; independe de minha vontade.

2. Por causa da decadência da igreja.

Esta carta pastoral traz princípios práticos que orienta a igreja acerca do modo correto de proceder diante dos perigos externos e dos conflitos interiores. Muitas igrejas são assediadas por falsos mestres e assaltadas por falsas doutrinas. Outras têm suas energias drenadas em intérminos conflitos internos, que tiram o foco da igreja de sua verdadeira missão, que é adorar a Deus e fazer a sua obra.

A igreja evangélica brasileira cresce espantosamente. Esse fenômeno tem sido estudado pelos grandes especialistas de crescimento de igreja. Porém, a igreja tem extensão, mas não profundidade. Tem número, mas não credibilidade. Tem desempenho, mas não piedade.

Cresce vertiginosamente o número de igrejas que abandonaram a sã doutrina e abraçaram MÉTODOS humanos com o propósito de crescer numericamente. Muitas igrejas parecem mais um supermercado que disponibilizam seus produtos ao gosto da freguesia. Pregam o que o povo quer ouvir, e não o que precisa ouvir. Falam para entreter, e não para levar ao arrependimento. Pregam palavras de homens, e não a Palavra de Deus.

3. Por causa da decadência da santidade.

Há igrejas que cometem um erro pior ainda: pregam a sã doutrina, mas não a vivem. Tem doutrina correta, mas uma vida errada. Se dizem igrejas bíblicas, mas são mundanas. A igreja de Deus precisa ser zelosa da doutrina e também da vida. Paulo escreveu a Timóteo, dizendo: “Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina…” (1Tm 4. 16). A igreja de Éfeso era zelosa da doutrina e descuidada no amor (Ap 2.2-4). A igreja de Tiatira era cuidadosa quanto, ao amor, mas desatenta quanto à doutrina e a pratica (Ap 2.18.20). As duas igrejas foram solenemente exortadas e repreendidas por Cristo. Precisamos ter a doutrina correta sem deixar de lado a pratica correta. Precisamos de teologia boa e de vida santa. A carta a Tito enfatiza tanto a sã doutrina (2.1) quanto a prática da piedade (1.1) e das boas obras (2.14; 3.14).

Estamos vivendo uma avassaladora influência da pós-modernidade, com seu subjetivismo e pluralismo, em que as pessoas têm aversão pela verdade e rejeitam a concepção e até mesmo a possibilidade de existir verdade absoluta. Nesse contexto de relativismo doutrinário e moral, é maravilhoso entender que Paulo ordena a Timóteo e a Tito nada menos que dez vezes para ensinar às igrejas a SÃ DOUTRINA, deve promover uma vida santa e não acumulo de conhecimento que promove discursões e divisões na igreja (1Tm 3.4; 4.6,11,15; 5.7,21; 6.2,17; Tt 2.15; 3.8).

4. Por causa da decadência da pureza doutrinaria.

As igrejas do primeiro século já estavam ameaçadas desde o seu nascimento pelo fermento da heresia. Os cristãos que vinham do paganismo eram tentados a voltar a ele ou ter sua fé contaminada por ensinos enganosos, disseminados pelos falsos mestres itinerantes. Ainda hoje, há muitas heresias no mercado da fé. Muitas delas com sabor de alimento saudável e nutritivo, mas não passam de comida venenosa e mortífera. Essas heresias estão presentes nos seminários, nos púlpitos, nos livros, nas músicas. Uma heresia é uma negação da verdade ou uma distorção dela. Precisamos nos acautelar!

5. Por causa da decadência dos relacionamentos

Muitos cristãos estão lidando de maneira errada com as pessoas dentro da igreja e isto tem produzido muitas feridas. A carta de Paulo a Tito é um verdadeiro manual de relacionamento humano. Mostra como os lideres devem lidar com as pessoas mais jovens, mais velhas e as pessoas da sua idade. A liderança da igreja precisa ser firme na sã doutrina, zelosa na disciplina, mas sensível com as pessoas. Se não vivermos em harmonia internamente, não teremos autoridade para pregar a Palavra externamente.

II. O CARÁTER DO DESTINATÁRIO DA CARTA

É consenso universal que o autor dessa carta a Tito a todas a igrejas dos cretenses enviada pelo apóstolo Paulo. As evidências são tanto internas quanto externas. Os pais da igreja, corno Clemente de Roma, Inácio de Antioquia e Policarpo, os reformadores e todos os fiéis expositores da Palavra deram apoio unânime à autoria paulina. O Cânon muratório, que lista os livros do Novo Testamento, atribui os três livros a Paulo. A única exceção a esse testemunho positivo nos primeiros séculos ocorre com Marcion, que foi excomungado como herege em 144 d.C., em Roma.

Marcion, fez como muitos cristãos modernos, ele desprezou o Antigo testamento. Ele rejeitou a maior parte do Antigo Testamento e as referências veterotestamentárias feitas no Novo Testamento. No século 19 os liberais, como Friedrich Schleirmacher, levantaram oposição a autoria Paulina de Tito e Timóteo. As críticas levantadas contra a autoria paulina das Epístolas Pastorais, com respeito aos aspectos históricos, linguísticos, teológicos éticos, entrementes, são frágeis e não oferecem provas suficientes para permanecerem em pé.

O livro de Atos não faz nenhuma menção a Tito. Timóteo, entretanto, tem papel proeminente no livro de Atos, assim como em todas as cartas de Paulo, exceto Gálatas, Efésios e Tito. Porém, Tito é mencionado uma vez em Gálatas, NOVE VEZES em 2 Coríntios, uma vez em 2 Timóteo e novamente na carta que leva o seu nome. Tito esteve com Paulo em Jerusalém, Éfeso, Macedônia, Creta, Nicópolis e Roma. Quem foi Tito?

1. Tito é uma pessoa convertida. Enquanto Timóteo tinha pai grego e mãe judia, Tito era filho de pais gregos (G1 2.3). Converteu-se a Cristo pelo ministério de Paulo (1.4). Saiu das fileiras do paganismo para abraçar a fé cristã. Não sabemos ao certo a naturalidade de Tito. Possivelmente residia em Antioquia da Síria, onde Barnabé e Saulo ensinaram a Palavra de Deus. É muito provável que sua conversão tenha se dado nesse tempo, pois somos informados de que quando Paulo subiu de Antioquia a Jerusalém, depois da sua primeira viagem missionária, levou consigo a Tito (GI 2.3).

Essa é a primeira vez que Tito aparece na história sagrada. Outros acreditam que Tito vivia em alguma parte da Ásia Menor. Essa suposição se fundamenta no fato de que Paulo trabalhou intensamente nessa região e ali muitas pessoas se converteram à fé cristã. O fato importante é que sempre que as Escrituras citam Tito, ele está evidenciando os frutos de uma verdadeira conversão.

2. Tito é uma pessoa de convicções corretas (GI 2.1-4). Ele não foi circuncidado como Timóteo (GI 2.1-4) para evitar problemas com os judaizantes. Ele tinha as convicções corretas. Tito foi com Paulo a Jerusalém quando do concílio convocado pelos apóstolos e presbíteros para resolver a questão da aceitação dos gentios na comunidade da fé cristã (At 15.1-35; C12.1-3). Os judaizantes queriam acrescentar à fé em Cristo a necessidade imperativa de os gentios serem circuncidados para serem salvos (At 15.5).

Paulo e Barnabé, depois da primeira viagem missionária, dirigem-se a Jerusalém, levando consigo Tito como um eloquente exemplo de um gentio salvo que não havia sido circuncidado. Tito teve uma posição significativa nessa controvérsia; de fato, ele parece ter sido a prova número 1 na causa de Paulo contra aqueles que faziam da circuncisão uma necessidade para salvação.

Tito é a prova da importância da liberdade cristã para o progresso do cristianismo.  Muitos questionam por que Paulo circuncidou Timóteo (At 16.3) e resistiu fortemente à circuncisão de Tiro (Cl 2.3-5). Porque Timóteo já era meio judeu e foi circuncidado por uma questão de estratégia missionária. Tito não foi circuncidado por uma questão de integridade teológica e Paulo defendeu essa postura. A circuncisão de Timóteo era uma questão de prática missionária para evitar controvérsia com os judeus (1Co 9.20). No caso de Tito estava em jogo uma controvérsia doutrinária fundamental sobre aquilo que é necessário à salvação e o que não é aos gentios.

3. Tito é uma pessoa de espirito pacificador. Ele foi o portador da “carta dolorosa” à igreja de Corinto. Paulo passou dezoito meses em Corinto, quando fundou uma igreja naquela cidade. Corinto era urna cidade moralmente pervertida. Ali ficava o templo de Afrodite com centenas de prostitutas cultuais. A igreja de Corinto tinha muitos problemas, como divisão, imoralidade, contendas, e muita confusão teológica acerca do casamento, da liberdade cristã, da Ceia do Senhor, do culto, dos dons e da ressurreição dos mortos.

Paulo escreveu àquela igreja uma carta que se perdeu (1Co 5.9). Depois, enviou-lhes uma carta que conhecemos como a primeira epístola de Coríntios. Essa carta não produziu os resultados esperados por Paulo, especialmente na questão da disciplina do membro faltoso que mantivera relação sexual com a mulher do próprio pai (1 Co 5.1-7).

Paulo, então, fez uma visita à igreja, mas a situação tornou-se ainda pior e mais hostil (2Co 2.1-4). Paulo deixou a cidade e escreveu de Éfeso uma carta pesada e dolorosa e a enviou à igreja por intermédio de Tito. Este não foi apenas o portador da carta, mas também o instrumento de Deus para resolver o problema da disciplina do membro faltoso, restabelecendo a ordem e a pureza da igreja (2Co 2.12).

Paulo saiu de Corinto, sem resolver o problema e isto deixou Paulo frustrado e paralisado. A ansiedade impediu Paulo de pregar. As frustrações podem paralisar a liderança. Mesmo tendo Deus aberto uma porta para a pregação do evangelho em Trôade, ele não teve animo para aproveita-la. Ele não suportou, ele partiu para a Macedônia, tamanha era sua ANSIEDADE de estar com Tito e receber notícias da igreja de Corinto (2Co 2.12,13).

Paulo não teve alívio em seu coração enquanto não se encontrou com Tito na Macedônia para saber as notícias da igreja de Corinto (2Co 7.5,6). Os resultados da visita de Tito e da dolorosa carta de Paulo à igreja surtiram um efeito grandioso, pois os crentes de Corinto corrigiram o faltoso (2Co 2.5-1 1) e reafirmaram seu amor por Paulo (2Co 7.6,7), seu pai espiritual (1 Co 4.15).

4. Tito é uma pessoa idônea. Ele foi o portador da segunda carta aos Coríntios (2Co 8.6). E esta carta era para pedir oferta aos irmãos de coríntios, e Tito é quem vai fazer o pedido. Paulo tinha assumido um compromisso com Tiago, Pedro e João de que em seu trabalho missionário entre os gentios não se esqueceria dos pobres (G12.10). A igreja de Corinto deu sinais otimistas de que abraçaria, com fervor, o projeto de levantamento de ofertas para os crentes pobres da Judeia (1Co 16.1; 2Co 8.6,7).

Porém, com a saída de Paulo de Corinto, embora a igreja tivesse alcançado progresso em outras áreas espirituais, estava muito acomodada nesse campo de contribuição (2Co 8.7). Foi então que Paulo enviou Tito com sua IDONEIDADE para levantar a oferta, agora da Macedônia, novamente à igreja, para que eles passassem do estágio do desejo da contribuição para a prática efetiva (2Co8.6,7,10,11).

5. Tito é um companheiro fiel (2Co 8.23,24). Tito não é apenas filho na fé do apóstolo Paulo, mas também seu companheiro e cooperador. Está sempre obedecendo as ordens de Paulo, cooperando com ele no trabalho do ministério em várias igrejas. Era um homem pronto e sempre disposto a fazer a obra de Deus, onde quer que o apóstolo Paulo o enviasse. Diferentemente de Timóteo que era jovem, tímido e doente, Tito revela-se um varão determinado, EMOCIONALMENTE GRANÍTICO, capaz de sanar grandes problemas e conflitos nas igrejas mais difíceis. Paulo diz à igreja que obreiros desse VALOR devem ser merecedores da mais alta consideração e amor da igreja (2Co 8.23,210.).

6. Tito, é uma pessoa de iniciativa (2Co 8.16,17). Tito demonstrou amor pela igreja de Corinto não apenas indo aos coríntios atendendo ao apelo de Paulo, mas de ir a Corinto voluntariamente. Ele tinha iniciativa própria e disposição de enfrentar grandes desafios no ministério. Tito era proativo e tinha CORAÇÃO DE PASTOR e têmpera de aço para lidar com as tensões da vida pastoral. O ministério de Tito em Corinto foi tão marcante que Paulo o menciona nove vezes em sua segunda carta.

7. Tito, é uma pessoa íntegra (2Co 12.17,18). Paulo dá seu testemunho à igreja de Corinto dizendo que, durante os dezoito meses que passou na cidade, jamais os explorou financeiramente. Ele não era ganancioso. De igual forma, seu filho, cooperador e companheiro Tito não os explorou, uma vez que andou no mesmo espírito e nas mesmas pisadas de seu pai espiritual.

8. Tito é um solucionador de problemas (1.5).

A primeira vez que vemos Paulo em Creta é durante sua turbulenta viagem a Roma (At 27.6-8). Possivelmente durante esse breve período que esteve na ilha ele não teve tempo suficiente para resolver os problemas existentes nas igrejas. Sendo assim, a melhor conclusão é que Paulo esteve nessa ilha na companhia de Tito no intervalo entre suas duas prisões em Roma. Uma vez que os novos convertidos vinham do paganismo, a igreja nascente estava enfrentando muitas dificuldades, tanto externas quanto internas. Depois da partida de Paulo, Satanás se esforçou não só para derrotar o governo da igreja, mas também para corromper sua doutrina. Como Paulo era apóstolo aos gentios e não apenas de uma região, deixou Tito em Creta para colocar as coisas em ordem nas igrejas e constituir presbíteros nessas igrejas das várias cidades da ilha (1.5). Tito ainda ajudou Paulo em Nicópolis (3.12), situada na costa oriental do mar Jônico. Ele era um solucionador de problemas e não um causador de problemas.

9. Tito se importa com as pessoas. Ele esteve com Paulo em sua última prisão (2Tm 4.10). Na última menção que temos de Tito na Bíblia, ele está indo de Roma à Dalmácia (2Tm 4.10). E Tito deve ter ido à Dalmácia por ordem do próprio apóstolo Paulo. Nessa segunda prisão o apóstolo ele está velho e numa masmorra romana, sabendo que a hora da sua partida havia chegado (2Tm 4.6-8). Nesse tempo o imperador era Nero, o monstro que assassinou o irmão, a mãe, a esposa Otávia e o tutor Sêneca, além de muitos outros. Quando pôs fogo na cidade de Roma, no ano 64, e acusou os cristãos.

Neste tempo o autor do incêndio. Contudo, ele tratou de desviar a atenção de si e culpou os cristãos pela façanha. O banho de sangue que se seguiu foi terrível. Paulo foi decapitado na Via Óstia, quase cinco quilômetros fora da capital, por volta do ano 67 d.C. Não sabemos se Timóteo e Marcos chegaram a Roma antes da morte do apóstolo.

III. O PROPÓSITO DA CARTA

Destacamos três propósitos do apóstolo Paulo ao escrever essa carta:

1. Encaminhar Zenas e Apolo (3.13). Essa carta de Paulo a Tito serviu como mensagem de recomendação para Zenas, o intérprete da lei, e Apolo, o eloquente evangelista, que estavam indo para Creta com os portadores da Carta. Esses doutores estariam debaixo da autoridade pastoral de Tito. Que iria instruí-lo como deveriam exercer seu ministério entre os cretenses.

2. Pedir a Tito encontrar-se com Paulo em Nicópolis (3.12). Assim que Tiro tivesse concluído seu trabalho, deveria deixar Creta para encontrar-se com Paulo em Nicópolis, antes da chegada do inverno. É muito provável que eles tenham se encontrado nessa cidade, uma vez que quando Paulo escreveu sua última carta a “Timóteo, da prisão romana, disse que Tiro tinha ido à Dalmácia (2Tm 4.10). Não devemos deduzir que Tito tenha abandonado Paulo na prisão em Roma; antes, deve ter recebido mais uma missão para um lugar difícil e perigoso.

3. Dar instruções pastorais à igreja. Tito deveria dar instruções à igreja para a promoção do espírito de santificação nas relações ministeriais, individuais, familiares e sociais. Desses propósitos enunciados, o último é o que cobre a maior parte da carta. A moralidade dos cretenses estava longe do que deveria ser (1.12), e, temendo que esses novos convertidos retrocedessem aos seus antigos vícios, Paulo sentiu a necessidade imperativa de orientar Tito sobre como conduzir-se no meio desse povo. Especialmente no estabelecimento da ordem na igreja, a fim de que os falsos mestres não a tomassem de assalto. A tradição da igreja diz que Tito teria se tornado o PRIMEIRO BISPO da igreja de Creta, permanecendo solteiro e morrendo na ilha, aos 94 anos de idade.

IV. OS PRINCIPAIS DESTAQUES.

A carta de Paulo a Tito trata de vários temas fundamentais para a igreja.

1. Organização da igreja (1.5).

Muitas coisas estavam fora de lugar nas igrejas de Creta. Tito foi deixado lá para colocá-las em ordem. E a ordem tem haver com a liderança. E por isso a importância dos pastores para comandar as igrejas locais. Esse trabalho pastoral incluía dentre tantas coisas, a administração o ensino da sã doutrina, a aplicação da disciplina, o combate aos falsos mestres e a instrução da sã doutrina aos crentes.

2. A liderança da igreja (1.5-9). Paulo tinha uma solene preocupação com o governo da igreja. Uma igreja bíblica precisa ter líderes sãos na fé e na conduta. Paulo deixa claro que o objetivo supremo do governo da igreja é a preservação da verdade revelada. O apóstolo também afirma que o conhecimento da verdade desemboca numa vida piedosa (1.1). Os hereges, tanto do gnosticismo incipiente quanto do judaísmo, enfatizavam um conhecimento que não produzia piedade. A doutrina não pode estar separada da vida. A verdadeira doutrina produz vida santa, e vida santa é o resultado da verdadeira doutrina. Uma não existe sem a outra. Uma é causa, a outra é consequência. E isto não pode ser feito sem uma liderança para que a fé dos pastores seja imitada.

3. O combate às falsas doutrinas (1.10-16). A liderança da igreja precisa vigiar para que os lobos que estão do lado de fora não entrem; nem os lobos vestidos de peles de ovelha, disfarçados dentro da igreja, arrastem após si os discípulos (Ar 20.29-31). Esses falsos mestres podiam ser identificados por intelectualismo especulativo (3.9), espírito de exclusividade (2.11), ascetismo (1.15), licenciosidade (1.16), ganância (1.11), mitos e fábulas (1.14) e legalismo judeu, que exigia a circuncisão e promovia fábulas judias e mandamentos de homens (1.14). Meyer Pearlman menciona quatro características desses falsos mestres:

1) quanto a seu caráter, eram insubordinados, enganadores e faladores (1.10);

2) quanto às suas motivações, eram gananciosos (1.11,12);

3) quanto ao seu ensino, eram apegados às tradições judias e lendas (1.14), exigindo abstinência de alimentos (1.15);

4) quanto às suas pretensões, professavam ser verdadeiros mestres do evangelho, mas sua vida pecaminosa desmentia a sua profissão (1.16).36

4. O ensino da sã doutrina (2.1). A igreja não deveria ficar apenas na defensiva, combatendo os falsos mestres, mas deveria sobretudo engajar-se no ensino da sã doutrina. Esta palavra “sã” é um termo médico e indica a doutrina que está livre de corrupção e enfermidade. É evidente que a falsa doutrina e o falso ensino ameaçavam a igreja cretense.

5. A promoção da ética cristã (2.2-10). Paulo dá orientações claras para os líderes e para os liderados. As prescrições apostólicas contemplam os idosos, os recém-casados, os jovens e os servos. Não é suficiente ter doutrina sã, é preciso também ter vida santa. A doutrina sempre deve converter-se em vida. Quanto mais conhecemos a verdade, tanto mais deveríamos viver em santidade. Diferentemente dos gnósticos, o conhecimento da verdade não deveria nos conduzir à soberba, mas à humildade.

6. A prática das boas obras (2.1 1-14; 3.8,14). Não somos salvos pelas boas obras, mas demonstramos nossa salvação por meio delas. A salvação é pela fé somente, mas a fé salvadora nunca vem só; ela é acompanhada das boas obras. A fé é a causa; as boas obras são o resultado da salvação. As nossas boas obras não nos levam para o céu, mas nos acompanham para o céu (Ap 14.13).

7. A submissão às autoridades (3.1-11). A igreja de Deus é um lugar de ordem, e não de anarquia; de obediência, e não de insubmissão. Insurgir-se contra as autoridades instituídas por Deus é desafiar o próprio Deus que as instituiu. Assim, a fonte da autoridade não está nela mesma, mas em Deus.Resistir à autoridade é resistir a Deus. Dessa forma, Paulo está combatendo dois erros. O primeiro deles é a autocracia. Toda vez que a autoridade atribui a si mesma o poder, age de forma autocrática e truculenta. O poder vem de Deus e deve ser exercido em nome de Deus, de acordo com o caráter e as prescrições de Deus. O segundo erro é a anarquia. A desobediência à autoridade, seja no Estado, seja na igreja ou na família, é um atentado contra a ordem estabelecida pelo próprio Deus. Se a autoridade não pode exceder-se, atribuindo a si mesma poder, os liderados não podem rebelar-se, sacudindo de si o jugo da obediência.

CONCLUSÃO

No final da carta Paulo fala do perigo das controversas e o quanto elas podem nos tornar inúteis. Ele diz que devemos nos aplicar as coisas necessárias para não sermos infrutíferos. Um exemplo disso foi o que aconteceu com os Dois gigantes da fé do século XVIII, George Whitefield e John Wesley, já tiveram um terrível desentendimento. A profundidade dessa controvérsia que os envolveu levou a muitos anos de discórdia e falta de comunicação. Ambos os homens eram grandes evangelistas.

John Wesley começou a pregar ao ar livre a convite de seu melhor amigo do clube santo; Whitefield. Quando Whitefield partiu para a América após anos de ministério itinerante em toda a Inglaterra, ele pediu a Wesley que viajasse em seu circuito de pregações ao ar livre para continuar a espalhar o evangelho de Jesus Cristo para as classes mais baixas da sociedade inglesa.

O que os levou ao ponto dessa grande amizade ter se rompido mesmo sendo grande colaboradores para a causa de Cristo? Como Whitefield e Wesley permitiram que algo diferente do evangelho rasgasse a própria estrutura de seu relacionamento em Cristo. Neste caso, uma diferença em relação a um ponto da TEOLOGIA PERIFÉRICA, não central à fé, colocou uma cunha entre eles, isolando-os e, no processo, diminuindo e ofuscando o ministério de ambos.

Embora ambos fossem chamados para pregar o evangelho, eles permitiram que seus pontos de vista sobre o livre-arbítrio e eleição divina os separassem. Suas diferenças teológicas pessoais tornaram os evangélicos difamados e divididos na Grã-Bretanha. Não foi até pouco antes da morte de Whitefield em 1770 que uma reaproximação foi realizada. Numerosos cristãos britânicos tentaram ajudar a juntar os dois.

Finalmente, depois de anos de tentativas e controvérsias isso foi realizado. Wesley pregou o sermão fúnebre de Whitefield. Apesar da eventual reaproximação, seus anos de INIMIZADE prejudicaram gravemente a causa do evangelho. Poderíamos refletir se o estrago feito pela controvérsia, não ofuscou a obra que tanto admiramos? A controvérsia doutrinaria os tornou infrutíferos em muitos momentos. Mesmo sendo os dois mais importantes evangelistas do cristianismo.

[i] Sermão adaptado do Comentário Expositivo Hagnos: Hernandes Dias Lopes.