Sermão Nº 6 – Convertidos ou endurecidos? Referência: Jonas 1:11-16. Pregação do Pastor Jairo Carvalho em 13/02/2019.

INTRODUÇÃO

Na madrugada de 16 de outubro de 1946, o pastor luterano Henry Gerecke foi visitar os membros de sua pequena congregação em Nuremberg, na Alemanha. Não se tratava de uma congregação ordinária, pois os homens que ele estava visitando estavam prestes a serem executados pelos mais terríveis crimes imagináveis. Com cada um, Gerecke caminhou até a forca. Quando a corda foi colocada na cabeça do primeiro homem e lhe pediram suas últimas palavras, ele deu testemunho de sua fé em Jesus Cristo: “Eu deposito minha confiança no Cordeiro que expiou os meus pecados”. Que Deus tenha misericórdia da minha alma”. Seu nome era Joachim von Ribbentrop, e até o ano anterior ele havia sido o ministro do exterior da Alemanha nazista de Adolf Hitler.

Quando Gerecke o visitou pela primeira vez na prisão de Nuremberg, onde o julgamento dos crimes de guerra estava sendo realizado, Ribbentrop lhe apresentou uma longa lista de objeções à fé cristã. Mas, sob a pregação fiel do evangelho na capela da prisão, ele se converteu e foi salvo. Nem todos os homens visitados por Gerecke se converteram. Um destes foi Hermann Goering, chefe da Luftwaffe alemã e o colega mais próximo de Hitler. Goering também frequentava a capela, mas, quando Gerecke o visitou naquela última noite, Goering zombou do cristianismo. Minutos após a despedida do pastor, Goering cometeu suicídio. Outros se pareciam mais com Ribbentrop.

Quando Gerecke visitou pela primeira vez a cela do marechal de campo Wilhelm Keitel, chefe das forças armadas alemãs, ele encontrou Keitel lendo sua Bíblia e professando Cristo. Outros dois, Fritz Sauckel, o chefe nazista da força de trabalho, descrito como um dos mestres de escravos mais cruéis desde Faraó. E, Wilhelm Frick, que, como ministro do interior, supervisionava um reino de terror que vitimizara muitos cristãos, foram para a forca confessando seus pecados e pedindo perdão de Deus por meio da fé em Cristo. Oito dos criminosos de guerra nazistas foram aceitos à mesa do Senhor pelo capelão Gerecke na base da profissão crível de sua fé em Cristo.

A exposição de hoje, mostra como Deus busca os pecadores. Como o pior dos homens podem se converter. Mas a ironia também mostra como facilmente os cristãos podem se deixar endurecer pelo engano do pecado.  Vejamos:

I. A CONVERSÃO DOS MARINHEIROS

  1. A rebeldia de Jonas.

Nem todos estão dispostos a aceitar a ideia de que até os piores pecadores possam encontrar salvação em Cristo. Isso explica por que Gerecke recebeu tantas cartas ofensivas quando retornou para os Estados Unidos por ter ministrado aos principais nazistas. Se o profeta Jonas estivesse vivo na época, ele teria enviado diversas cartas protestando veementemente contra a pregação a esses nazistas. Deus havia ordenado a Jonas que pregasse pela salvação dos assassinos selvagens em Nínive, mas Jonas decidiu abandonar Deus em vez de aceitar o trabalho. A experiência de Jonas demonstra a futilidade de fugir de Deus. Mas, na medida em que a história se desdobra e Jonas cai sob o julgamento, a IRONIA DE SUA REBELIÃO é revelada por meio das ações dos marinheiros pagãos a bordo do navio de Jonas. Aterrorizados pela grande tempestade que Deus havia enviado por causa de Jonas, os marinheiros oraram primeiro aos seus próprios deuses falsos. Então lançaram a sorte para identificar o pecador responsável pela ira divina. Quando a sorte caiu sobre Jonas, eles começaram a interrogá-lo. Jonas confessou: “Sou hebreu e temo ao Senhor, o Deus do céu, que fez o mar e a terra” (Jn 1.9). Os marinheiros ficaram “possuídos de grande temor” quando perceberam que Jonas estava se rebelando contra um Deus tão grande. Então apelaram a Jonas, que ainda era um profeta de Deus, apesar de seus atos: “Que te faremos, para que o mar se nos acalme?” (Jn 1.11). Jonas respondeu: “Tomai-me e lançai-me ao mar, e o mar se aquietará, porque eu sei que, por minha causa, vos sobreveio esta grande tempestade” (Jn 1.12).

  1. A misericórdia dos marinheiros.

O que aconteceu em seguida é notável por causa da nobreza da conduta dos marinheiros. Jonas era um completo estranho para eles. Ele não podia alegar laços de amizade, de família ou nação; era o sujeito de um Deus estranho, mas forte, que havia levado até eles a ira de Deus — de fato, tinham muito pouco pelo que agradecer-lhe. A única coisa que Jonas havia feito por eles fora causar-lhes dificuldades e um prejuízo impagável e colocou a vida deles em grande perigo. Todo nós entenderíamos muito bem, se os marinheiros rapidamente o tivessem jogado no mar, em especial por serem pagãos e pelo fato de o próprio Jonas ter sugerido essa solução. Em vez disso, os marinheiros se sentiram tocados para preservar a vida de Jonas, ou talvez pelo medo das consequências divinas se derramassem sangue sem necessidade.

Assim, em vez de lançarem Jonas no mar, “… os homens remavam, esforçando-se por alcançar a terra, mas não podiam, porquanto o mar se ia tornando cada vez mais tempestuoso contra eles” (Jn 1.13). O texto hebraico dá a entender que os marinheiros DERAM TUDO DE SI, remaram o máximo que puderam para devolver Jonas à segurança da terra firme. Eles entenderam que sua segurança pessoal dependia da remoção de Jonas, mas fizeram de tudo para poupar sua vida. Que amor é esse? Não importa se seu respeito se devia ao status especial de Jonas como profeta ou apenas à sua condição de ser humano, mas o TEMOR AO SENHOR se manifestou na conduta dos marinheiros. Esses homens nos mostram que assim como qualquer desrespeito a Deus se manifesta em FRIEZA E CRUELDADE contra o ser humano, o temor ao Senhor produz invariavelmente justiça e misericórdia.

  1. Uma frieza obstinada.

Que repreensão a Jonas isso deve ter sido! Afinal de contas, a razão pela qual ele se encontrava naquele navio era a DUREZA DE SEU CORAÇÃO por causa da AMARGURA contra os gentios. Jonas, o crente fiel; fecha seu coração contra a o povo de Nínive. Apesar de seu povo ter experimentado a graça de Deus durante gerações, ele fecha seu coração contra outras pessoas. Mas, num contraste dramático, esses marinheiros rudes fazem de tudo para poupar a vida de Jonas, mesmo após ele ter causado a perda de toda a sua carga e agora poder causar a perda de suas vidas. Aparentemente, Deus não cooperou com esses marinheiros misericordiosos. Por mais que se esforçassem e remassem, eles não conseguiram vencer as ondas cada vez mais altas. Deus queria que a correção de Jonas continuasse, por isso nada que os marinheiros fizessem poderia salvar a vida dele. “Então, clamaram ao Senhor e disseram: Ah! Senhor! Rogamos-te que não pereçamos por causa da vida deste homem, e não faças cair sobre nós este sangue, quanto a nós, inocente; porque tu, Senhor, fizeste como te aprouve. E levantaram a Jonas e o lançaram ao mar; e cessou o mar da sua fúria” (Jn 1.14-15). Aqui, também, vemos o impacto do testemunho involuntário de Jonas sobre os marinheiros. Sem alternativa senão aceitar o conselho de Jonas, eles oraram primeiro a Yahweh pedindo que não os responsabilizasse, já que era evidentemente a sua vontade soberana que controlava a situação deles.

  1. A dádiva da graça comum.

Como explicamos a nobreza desses homens, que não conheciam o Senhor? Encontramos a resposta na graça comum de Deus. A GRAÇA COMUM significa que Deus opera no mundo mesmo fora do domínio da salvação. Deus instila virtude em reis pagãos e inspira reverência pela vida até entre os gentios. Deus fornece essa graça comum pelo bem do evangelho, para que o mundo possa continuar e para que sua igreja seja preservada em meio a esse mundo perverso, e também para preservar o mundo pelo bem daqueles que ainda serão salvos. Os marinheiros demonstram igualmente uma CONSCIÊNCIA daquilo que chamamos de LEI NATURAL. Não creio que tivessem lido os Dez Mandamentos, com a ordem de Deus “Não matarás” (Êx 20.13). Mesmo assim, sabiam que é errado tirar a vida de um ser humano sem necessidade. A natureza implantou em todos uma aversão à crueldade. Apesar de nunca terem conhecido a doutrina da lei, eles haviam sido instruídos pela natureza, de forma que sabiam que o sangue de um homem é caro e precioso aos olhos de Deus. Tanto a graça comum quanto a lei natural continuam a se evidenciar nos dias de hoje.

Às vezes, a virtude dos pagãos envergonha o povo de Deus, que possui a graça salvífica de Deus e conhece a lei escrita de Deus. Pensamos, por exemplo, no heroísmo dos bombeiros que sacrificaram suas vidas tentando salvar outros na tragédia de Brumadinho em Minas Gerais. Muitos deles não eram, provavelmente, seguidores verdadeiros de Cristo, mas sua coragem excede a de muitos cristãos. Jonas que tinha a graça especial, recebeu de quem tinha graça comum. Sempre que o povo de Deus testemunha esse tipo de virtude em incrédulos, devemos nos SENTIR DESAFIADOS a responder à graça salvífica de Deus transformando-nos nos homens e nas mulheres que o Senhor deseja que sejamos. Os mulçumanos oram rigorosamente 5 vezes ao dia; e a grande maioria dos cristãos, oram uma vez por semana.

II – A EVIDÊNCIA DA CONVERSÃO.

A essa altura, surge uma pergunta referente à qual os estudiosos não conseguiram chegar a um consenso. A pergunta é se o relato em Jonas revela uma conversão verdadeira dos marinheiros. Eles estavam agindo estritamente na base da graça comum ou será que, em algum momento, eles chegaram a um conhecimento autêntico e salvífico do Senhor? Um conjunto impressionante de vozes chega à conclusão de que não existem razões suficientes para considerar isso uma conversão genuína. Calvino afirma que eles “não foram tão subitamente transformados a ponto de se dedicarem ao Deus verdadeiro […]. Não foi uma conversão da alma tão real e profunda para transformá-los em homens novos”. Douglas Stuart supõe que, ao invés de aceitarem a verdadeira fé do Antigo Testamento, os marinheiros apenas “acrescentaram Yahweh aos deuses em que já acreditavam”. William Banks cogita: “O temor que eles demonstraram deve ter sido temporário, faltando-lhes a piedade verdadeira”. Como pastor, compreendo esse CETICISMO. Tenho percebido que aqueles que professam a fé em Cristo com um motivo escondido muitas vezes o fazem sem sinceridade. Um homem quer se casar com uma mulher cristã, então ele procura demonstrar que professa sua fé. Ou soldados numa batalha se mostram religiosos para saírem vivos da guerra. Essas profissões de fé devem ser vistas de forma crítica até a fé verdadeira se evidenciar numa vida transformada. Mesmo assim, creio que existam muitas evidências para acreditar que esses marinheiros foram realmente convertidos por meio de sua experiência com o Deus de Jonas. É o que defendem muitos eruditos. Quais são as evidências para essa visão positiva?

  1. Essa é a mensagem do livro de Jonas.

O livro mostra como Deus revela sua graça que busca os pecadores. O profeta temia que sua pregação em Nínive fizesse com que os pagãos encontrassem misericórdia na graça de Deus. E então Deus começa a dar uma lição em Jonas com a conversão dos marinheiros pagãos. Além do mais, a conversão dos marinheiros não deveria ser considerada mais implausível do que a conversão dos criminosos de guerra nazistas pelo pastor Gerecke — ou do que a conversão de qualquer um de nós. Não foi preciso uma graça maior para salvá-los do que para salvar qualquer cristão. E Deus não desperdiça a oportunidade de buscar e salvar os pecadores. Aquela tempestade pedagógica e também evangelística. Deus estava se revelando na disciplina do profeta.

  1. Eles demonstraram fé verdadeira em Deus.

A linguagem da oração dos marinheiros sugere mais do que simplesmente que eles tenham acrescentado o Deus de Jonas à sua lista de deuses falsos. Os marinheiros e os passageiros foram tomados não só pelo temor de Deus, mas também tiveram a compreensão exata de que o Deus de Israel era o Rei supremo do céu e da terra. O patrono do ateísmo moderno Richard Dawkins, escreveu um livro, com o título: Deus, um delírio. Será que Deus é apenas um delírio de mentes fracas, ou os ateus é que deliram tentando negar a existência de Deus. Davi escreveu (Sl 14.1) “diz o insensato no seu coração: não há Deus”. Os marinheiros concordariam perfeitamente com Davi. Eles conheceram com provas claras e inequívocas de que há um único Deus, pessoal, soberano e todo poderoso, que sabe todas as coisas, e que criou o céus e a terra e que domina sobre os mares, enviando a tempestade. Ao entenderem isso, viram também que anteriormente haviam SIDO ILUDIDOS e que tudo que o mundo havia inventado era MERA ILUSÃO, e que os deuses criados pelos caprichos do homem eram nada mais do que meros ídolos.

  1. Eles apresentaram frutos de arrependimento (v.14,16).

Antes eles pediram a Jonas que ore, ou nós vamos perecer. Agora no verso 14 “clamaram ao Senhor”. Eles demonstram que já iniciaram um relacionamento íntimo com Deus por meio da oração. E a ORAÇÃO deles é feita com discernimento, que só nasce de um coração regenerado. Eles chamam a Deus pelo Nome (Yahweh). Eles oram com humildade, com confissão e quebrantamento, com temor da lei de Deus, e reconhecendo a vontade soberana de Deus (v.14). É pouco tempo para alguém alcançar um entendimento tão profundo, a não ser que tem recebido um coração regenerado. Agora eles expressam o TEMOR DO SENHOR, não como antes da conversão com medo, agora eles o reverência e o adora. Além do mais, lemos que os marinheiros “… ofereceram sacrifícios ao Senhor e fizeram votos” (Jn 1.16). Eles apelaram ao nome da aliança de Deus, Yahweh, e, mesmo não conhecendo os procedimentos corretos para os sacrifícios levíticos em Jerusalém, eles parecem ter entendido que precisavam fazer algum tipo de oferta para a EXPIAÇÃO DE SEU PECADO. Os votos devem ser entendidos como uma confissão de fidelidade pactual. Quando, então, os marinheiros fizeram um VOTO A DEUS, eles renunciaram a seus próprios ídolos.

Agora, então, fizeram seus VOTOS DE DEDICAÇÃO AO ÚNICO DEUS VERDADEIRO; pois sabiam que suas vidas estavam em sua mão.Os marinheiros haviam vivenciado um encontro divino inesquecível que ocorre apenas uma vez na vida. Dessa forma, Deus havia enviado sua tempestade não só para despertar seu profeta desviado, mas também para fornecer aos pagãos uma manifestação de seu poder salvífico. Quem sabe esses marinheiros a caminho de Társis tenham sido a semente para o conhecimento posterior e mais amplo de Deus na Espanha; talvez Deus estivesse preparando o solo por meio desses marinheiros (veja Rm 15.24). Pois mais tarde o apóstolo Paulo, deseja ir pregar na Espanha e embarca num navio, obedecendo o chamado de Deus. Essa é a experiência de conversão: Os marinheiros fizeram uma descoberta TRANSFORMADORA porque entraram em contato com o Deus vivo.

  1. Eles expressaram generosidade (16) “fizeram votos”.

Como toda a verdadeira conversão toca o bolso, eles fizeram sacrifícios, que podiam naquele momento, mas pretendem fazer muito mais. Eles demonstraram isso formulando suas intenções por meio de VOTOS a serem cumpridos mais tarde. Esses votos, incluíam compromisso de CONSAGRAÇÃO e OFERTAS VOLUNTARIAS (At 21.26), que seriam entregues mais tarde no templo. Quando um crente tem dificuldade com dízimos e ofertas, pode ser uma evidência de uma falta de conversão autentica. Esses marinheiros acabaram de conhecer a Deus, e entregaram a ele a vida e tudo o que tinham. A forma como lidamos com o dinheiro diz muito sobre a nossa confissão de fé. A maneira como demonstramos que o dinheiro não é um ídolo para nós é o quanto nós investimos no reino de Deus, com os nossos dízimos, ofertas e votos. Quanto maior é a nossa GENEROSIDADE, menos influência a avareza tem sobre nós (Cl 3,5; Ef 5,5; Mt 6,24). Jesus revela isso quando fala da oferta da viúva pobre (Mc 12:41-44) NVI:

41 Jesus sentou-se em frente do lugar onde eram colocadas as contribuições, e observava a multidão colocando o dinheiro nas caixas de ofertas. Muitos ricos lançavam ali grandes quantias.

“42 Então, uma viúva pobre chegou-se e colocou duas pequeninas moedas de cobre, de muito pouco valor.

“43 Chamando a si os seus discípulos, Jesus declarou: “Afirmo-lhes que esta viúva pobre colocou na caixa de ofertas mais do que todos os outros.

44 Todos deram do que lhes sobrava; mas ela, da sua pobreza, deu tudo o que possuía para viver”.

  1. A salvação é uma obra exclusiva de Deus.

Outra lição que devemos aprender dessa conversão? É que não devemos deixar-nos intimidar pela descrença do mundo, a ponto de baixarmos a nossa mensagem ao seu nível. O mesmo Deus “… que fez o mar e a terra” (Jn 1.9) e que converteu os marinheiros pagãos é capaz de converter qualquer pessoa por meio do nosso testemunho. Deveríamos aprender também que Deus salva quem quer, independentemente de nós sermos fiéis e obedientes ou não. A indisposição de Jonas em dar testemunho aos gentios não influenciou a vontade de Deus de salvá-los. Jonas foi um missionário de Deus apesar dele mesmo. Mesmo com um testemunho de má vontade de Jonas os marinheiros foram salvos. A conversão de poucos marinheiros é descrita para antecipar a descrição da conversão em massa dos ninivitas. A disposição ou a obstinação de Jonas, iria determinar se ele seria abençoado ou não. Aprendamos isso: o que Deus pretende fazer, ele fará. Mas preste atenção, Deus pode fazer isso por meio da nossa obediência como filhos. Como o faz mais tarde com Nínive por meio de Jonas, nesse caso seremos muito abençoados, quando obedecemos. Ou ele pode fazê-lo por meio da desobediência de seus filhos, como na conversão dos marinheiros, onde deu testemunho de má vontade. Neste caso ele perdeu a benção. Jonas foi lançado ao mar sem testemunhar os “frutos de arrependimento”; de ver os sacrifícios e sem ouvir seus votos. Qual dos dois vamos preferir? Vamos resistirá a ele? Vamos recusar à sua Grande Comissão? Ou vamos obedece-lo neste e em todos os outros assuntos? Para que sejamos abençoados.

III – O ENDURECIMENTO DE JONAS (15,17).

Quando voltamos nossa atenção para Jonas, também nos deparamos com uma pergunta referente à qual não existe consenso. Quando Jonas pediu que o lançassem no mar, isso era uma expressão de seu arrependimento sincero ou sua decisão endurecida de preferir a morte a ceder à vontade de Deus? Aqueles que defendem o arrependimento de Jonas dizem que a confissão de seu pecado o tornou disposto a sofrer a morte para poupar os marinheiros pagãos. Mas existe uma razão pela qual eu não acredito que Jonas já teria desistido de sua rebelião contra Deus. Em momento algum, o texto indica que ele decidiu voltar e executar a comissão que Deus lhe havia dado. Jonas se arrepende apenas no capítulo 2 e, quando ele realmente se arrepende, vai para Nínive e prega conforme a ordem de Deus. A mesma tempestade que trouxe quebrantou os marinheiros e os converteram; também serviu para ENDURECER A VONTADE DE JONAS. Isso significa que Jonas estava disposto a morrer para não ter que pregar.

O pecado de ressentimento e da amargura, pode se arraigar tão fanaticamente na personalidade humana que nem mesmo a ameaça de danos físicos ou castigo consegue expulsá-los, tampouco argumentos e apelos à razão. Com esse espírito amargurado, Jonas encarou as águas de seu destino. Ele preferia morrer a pregar a salvação à tão odiada cidade de Nínive. A disposição de Jonas para agir heroicamente na tentativa de salvar outras pessoas, pode parecer um gesto de ABNEGAÇÃO. Mas Jonas não estava tão preocupado com o bem-estar dos marinheiros. Ele poderia se lançar ao mar sozinho. Porque então pede para os marinheiros o lançarem no mar. Ele continua fugindo. A antes ele mesmo veio na direção oposta, pagou a passagem, desceu ao navio e desceu ao porão.

Agora ele tem outra rota de fuga, quem está me lançando fora são os marinheiros. Antes decidir fugir, agora eu sou obrigado. Ele está disposto a morrer para não obedecer a vontade de Deus, mas ele quer que outros sejam responsabilizados. Ele quer aliviar sua CONSCIÊNCIA com sua morte. Enquanto os marinheiros estavam dispostos a se submeter à vontade revelada de Deus, Jonas, que conhecia muito bem a vontade de Deus, preferia ser entregue às ondas.

Todos que já testemunharam ou leram sobre sepultamentos em alto mar sabem como são solenes. E muito mais se a vítima ainda estiver viva e for lançada nas profundezas do mar! Todos os marinheiros esperavam que o sacrifício de Jonas acalmasse a tempestade, assim como reconheciam que isso era um castigo justo pelo pecado de Jonas. MAS SE EXISTIR ALGO QUE POSSA PROVAR QUE UM FIEL PODE SE ENDURECER TANTO POR MEIO DO PECADO A PONTO DE DESTRUIR SUA VIDA NESTE MUNDO, A EXPERIÊNCIA DE JONAS O PROVA. Não surpreende, então, que o autor de Hebreus nos diz: “… exortai-vos mutuamente cada dia, durante o tempo que se chama Hoje, a fim de que nenhum de vós seja endurecido pelo engano do pecado” (Hb 3.13).

 IV – JONAS, O BODE EXPIATÓRIO (V.12,15)

Mas mais importante do que o estado mental subjetivo de Jonas é o papel objetivo que ele exerce na história redentora de Deus. Dentro do ensinamento da redenção da Bíblia, a “morte” de Jonas sob as ondas olha tanto para trás quanto para frente. Olhando para trás, Jonas exerce o mesmo papel do bode expiatório no Dia da Expiação de Israel. Naquele dia do ano, em que Israel lidava com seu pecado, Deus ordenou que o sumo sacerdote viesse até o tabernáculo com dois bodes vivos. Um dos bodes, escolhido pela sorte, seria sacrificado pelo pecado; o outro — o bode expiatório — era solto no deserto (Lv 16.7-10). Este foi o papel que Jonas exerceu na salvação dos marinheiros. Assim como Arão colocou suas mãos no bode expiatório, colocando os pecados de Israel sobre sua cabeça e soltando-o no deserto (Lv 16.21-22).

Jonas também removeu a ira de Deus levando seu pecado para o deserto da profundeza. Até mesmo o USO DA SORTE para identificar Jonas sugere uma conexão intencional. Seu sacrifício removeu a ira de Deus do navio para que a paz pudesse ser restaurada entre o homem e Deus. A “morte” de Jonas nas profundezas também antecipa a história redentora, encontrando seu sentido último na morte de Jesus Cristo. Foi o próprio Jesus que comparou sua morte à de Jonas: “… assim como esteve Jonas três dias e três noites no ventre do grande peixe, assim o Filho do Homem estará três dias e três noites no coração da terra” (Mt 12.40).

É claro que existem diferenças grandes entre Jonas e Jesus. Jonas é culpado de seu próprio pecado por ter recusado a vontade de Deus. Jesus tomou sobre si apenas os pecados de outros, em obediência perfeita à vontade do Pai. No entanto, Jonas é um tipo de Cristo; é uma figura do Antigo Testamento que representa pelo menos um aspecto de Jesus e de sua obra salvífica. Se é verdade que o sacrifício de um homem que aceita sua condenação pode salvar outros a sua volta, então isso vale muito mais se o homem sacrificado é o Filho de Deus. A “morte” de Jonas nas ondas, que encerrou a tempestade, mostra que o caminho da salvação de Deus envolve colocar os pecados em alguém que morrerá. E assim como a salvação de Nínive resulta da salvação de Jonas (parecida com uma ressurreição) após três dias no túmulo frio do grande peixe, a ressurreição de Jesus Cristo traz salvação para o mundo. Em Jonas, Deus persegue um homem até a morte para que ele possa abençoar muitos. Semelhantemente, Deus perseguiu seu próprio Filho até a morte para que muitos de todas as nações pudessem ser salvos.

CONCLUSÃO

Deus usou o testemunho adormecido de seu profeta rebelde para se revelar aos marinheiros. A amargura de Jonas que o levou à sua rebelião foi superado pela “Graça do Senhor” que enviou a tempestade. Quando Jonas confessou sua culpa eles creram. Quando a igreja tem coragem de confessar que a culpa é sua o mundo crê. Temos que confessar que parte da responsabilidade pela tragédia do Brasil é culpa da igreja. Temos sido uma igreja em fuga de Deus. Uma igreja em flagrante desobediência à sua missão. Uma igreja que ora menos que os pagãos. Uma igreja insensível aos dramas humanos. Uma igreja que tolera o pecado. Enfim muitas vezes temos sido mais parte do problema que da solução.

O mesmo vale para os indivíduos e para a igreja local. Devemos ter a coragem de confessar que parte da responsabilidade dos problemas da igreja local é nossa. Temos negligenciados, os cultos de oração, a pratica do Jejum. Negligenciamos o pacto da leitura devocional. Temos dado lugar a maledicência. Temos sido negligentes com o evangelismo. Temos negligenciado os cultos. Por isso estamos amargurados, reclamando de tudo, vendo defeito em tudo. Enfim muitas vezes temos sido mais parte do problema que da solução. Quantas vezes isso tem ocorrido com o povo de Deus em todos os lugares, e em todos os tempos. O fato de a igreja não ser o que deveria ser no passado ou no presente não significa que Deus não a tenha usado ou não nos possa usar.

Deus não escreve certo em linhas tortas. Mas Deus pode usar um bastão torto para desenhar uma linha reta, e foi exatamente isso que aconteceu no caso de Jonas”. Mas como teria sido melhor se Jonas tivesse amolecido seu coração para a vontade graciosa de Deus! Ele teria evitado tanto sofrimento desnecessário; tantas tragédias e perdas. Ele poderia ter permanecido a bordo pois estaria viajando para Nínive e não para Társis. Em vez de ser jogado nas profundezas do mar frio. Ele poderia se alegrar com os marinheiros convertidos e juntos adorem a Deus durante todo o tempo da viagem. Quantas bênçãos poderiam ser recebidas sem Jonas simplesmente obedecesse a vontade de Deus. É também para nós muito melhor aceitar o chamado soberano de Deus para a nossa vida, servindo à causa do evangelho sempre que Deus nos envia e maravilhando-nos diante da graça pela qual nós e os outros somos salvos. A experiência de Jonas contém uma mensagem também para aqueles que ainda não creram. Aprendam da graça que Deus estendeu aos marinheiros. Aceite o convite generoso de Deus: Você ainda não pereceu em seu estado sem Deus porque Deus, que fez o mar ao seu redor e a terra sobre a qual você anda, o preserva. Não permaneça indiferente a ele. Volte-se para ele. Aproxime-se dele na base do sacrifício perfeito pelo pecado feito uma vez por todas por seu próprio Filho, Jesus Cristo, e siga-o durante todos os seus dias.[i]

[i] Sermão adaptado do livro: Estudos bíblicos expositivos em Jonas e Miqueias, Richard D. Phillips, Editora Cultura Cristã, 2017.