Série de sermões expositivos sobre O Céu. Sermão Nº 121 (1) –  O sexto dia da criação: a criação do homem (Parte 97).  Gn 1:27: a Bíblia versus o Secularismo (Parte 48). Pregação do Pastor Jairo Carvalho em 10/04/2024.

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INTRODUÇÃO

Continuando a exposição do poema de Fausto escrito por Goethe e publicado em 1808 na Alemanha no início da idade moderna.

Fausto é releitura do livro de Jó da Bíblia. Mostrando o contraste do homem da modernidade voltado para a razão e dos homens piedosos guiados por sua fé.

Satanás tira tudo o que o Jó bíblico tinha. Mas ele dá tudo o que o Jó da modernidade deseja, riqueza, prazer, poder, conhecimento e progresso infinito.

Fausto é o arquétipo do Homem Ocidental Moderno que, à força do seu esforço incessante, cria a si mesmo e ao seu mundo por um ato de pura vontade, atingindo assim o objetivo mais elevado da humanidade, realizando o propósito ou fim de toda a atividade humana.

Que é visto como a auto-realização da perfeição individual, o cultivo até o grau máximo de todo o potencial latente de alguém.

Assim Fausto se torna um absoluto, assim se diz, cuja vontade é soberana. . . uma lei para si mesmo, um Prometeu  moderno.

O Fausto revela a força motriz por traz da apostasia da modernidade, que se juntou com os esforços satânicos e se levantou contra Deus e sua palavra.

  1. A engenharia espiritual da academia.

No final, a alma de Fausto é levada a Deus por anjos que cantam: Podemos redimir aquele que se esforça (busca).

A tragédia desse romance é o resultado da engenharia espiritual e social da sociedade acadêmica daquele tempo.

Nem o amor[1] do romantismo[2], nem o empirismo filosófico, nem os ideais iluministas, nem a concepção clássica da arte e da beleza, nem a sua união nas pessoas de Fausto e Helena serão suficientes.

O pior de tudo é a tentativa de pôr em prática o que Goethe ansiava no seu poema juvenil “Prometheus” – um novo homem livre do pecado da complacência, que “merece a liberdade e a vida porque deve conquistá-las todos os dias”.

A leitura do personagem de Fausto é consistente com importantes vertentes de interpretação do Livro de Jó.

Fausto errou ao tentar aprender os segredos da natureza. A criação está muito além da compreensão da razão humana.

  1. A compreensão da criação divina.

A interpretação judaica tradicional atribui um pecado análogo a Jó, pois os sábios judeus não podiam aceitar a ideia de que Deus infligiria tal miséria a um homem inteiramente inocente.

Como argumentou o rabino Joseph Soloveitchik em Halakhic Man[3] (Homem Halakhic), Jó peca ao exigir uma explicação de causa e efeito para sua miséria:

Jó, que se enfureceu contra o Céu porque procurou prestar contas do mundo e errou, aceita sobre si o julgamento divino. “Quem é que esconde conselho sem conhecimento?

Por isso pronunciei coisas que não entendia, coisas maravilhosas demais para mim, que eu não conhecia” (Jó 42:3).

Ele pecou com sua aventura orgulhosa e excessivamente ousada de captar e compreender o segredo do cosmos (criação); ele confessa e volta a Deus com a descoberta do mistério do mundo criado e da sua incapacidade de compreender esse mistério.

‘Portanto abomino minhas palavras e me arrependo, visto que sou pó e cinza.’

Jó perdeu a riqueza, os filhos e a saúde, mas também perdeu a confiança de que pode influenciar Deus através de sacrifícios e outros atos de propiciação.

Como Fausto, ele perdeu o “poder sobre a natureza”, (ou seja, de controlar a própria vida) e, como Fausto, sua resposta é repudiar (desistir da vida: “

Que pereça o dia em que nasci, e a noite em que foi dito:

‘Há um filho homem concebido.’

Que esse dia seja escuridão;

não deixe Deus olhar para isso do alto,

nem deixe a luz brilhar sobre ele.

A esposa de Jó já o aconselhou: “Amaldiçoe a Deus e morra”, o que Jó chama de “tolice”.

Foi uma tolice, pois o homem antigo percebeu um Deus remoto (distante) cujas ações eram indistinguíveis[4] do destino, e amaldiçoar o próprio destino é uma tolice.

Jó não pode aceitar que o destino cego o tenha prejudicado, mas também não pode dirigir-se a Deus, pois Deus é uma força distante que deve ser respeitada, mas ele ainda precisa conhecê-lo mais.

Como observam vários críticos, embora os amigos de Jó usem os nomes genéricos para Deus, Elohim ou El Shaddai, Jó usa o nome pessoal (intimo) YHWH (Yavé)

O que constitui a virtude de Jó nessas circunstâncias? Por um lado, ele evita a resposta pagã, de amaldiçoar a Deus.

Por outro lado, ele evita a resposta dos seus amigos, que insistem que a simples causa e efeito devem explicar a sua situação. Identifique o pecado pelo qual Deus o puniu, dizem a Jó, e arrependa-se, e tudo ficará bem.

A descrição do rabino Joseph Soloveitchik do pecado de Jó se aplica melhor aos seus amigos do que ao próprio Jó: embora Jó procure uma explicação para sua calamidade, ele se recusa a aceitar explicações fáceis.

Ele se recusa a culpar-se pelos pecados que deve ter cometido para merecer tal punição, pois não conhece tais pecados. Ele também não amaldiçoará seu destino, pois ele aceita humildemente a vontade de Deus.

Ele permanece, por assim dizer, num cume entre dois abismos, entre a exigência pecaminosa de conhecer a intenção mais íntima de Deus e o indiferentismo pagão para com Deus.

Jó ocupa assim uma posição ambivalente semelhante à de Fausto. Ele não ficará satisfeito nem com a investigação pecaminosa nem com a mera resignação.

Jó não consegue resolver a tensão sozinho, e a resposta à sua pergunta vem na forma do aparecimento do próprio Deus.

Deus não precisa dar mais resposta do que a sua presença, mas o temor de Jó por Deus, é algo precioso, recompensado pela sua presença divina.

O diabo não apareceu para Jó. E ele não fazia ideia que por traz daquele sofrimento estava um ser tão maligno. Mas Deus mostra que por traz de tudo quem estava no controle era sua soberania.

Isso é exatamente o que Deus exige de Jó: “Cinge agora os teus lombos como homem; pois eu te indagarei e tu me declararás (responderá)”.

Talvez seja por isso que Jó e Fausto continuam a fascinar a imaginação literária. A sua luta interna, e não as meras circunstâncias externas das suas histórias, mostra as dificuldades dos melhores homens à beira da fé.

Se Fausto fosse um homem de fé racional, ou um puro egoísta romântico, seu personagem não teria interesse e não haveria drama literário.

Se Jó fosse um santo que sofreu arbitrariamente, sua história não pertenceria à Bíblia, pois Deus não age contrário aos seus atributos bondosos.

Fausto é um homem sedento, seduzido por Satanás, que pode ser salvo se for fiel à inquietação agostiniana do seu coração, de encontrar em Deus somente o que procura.

A luta de Fausto pela vida plena ajuda-nos a romper o véu empoeirado dos tempos antigos e a ver em Jó a mesma disputa de vida e morte, fé e desespero que nós, modernos, devemos suportar e aprender dom eles.

  1. A salvação faustiana.

A cena do início de Fausto: PARTE DOIS, compreende um passo crucial para a salvação de Fausto, o insight decisivo que removerá os obstáculos arrogantes que o questionador gnóstico (busca do conhecimento) vinha colocando no caminho da graça divina.

Fausto desperta do que parece ter sido um longo sono terapêutico após a tragédia de Gretchen. Ele está deitado em um lindo prado perto de um riacho e uma cachoeira.

Ao acordar, ele tenta olhar para o sol nascente, mas isso o cega dolorosamente. Ele vira as costas para o sol e percebe que o respingo da cachoeira, que estava atrás dele, refrata[5] a luz do sol, criando assim um lindo arco-íris.

O significado simbólico do arco-íris surge em Fausto com o poder de uma inspiração, Fausto proclama:

“Isso reflete todas as aspirações da ação humana”,

“Nisto sua mente, para uma visão mais clara, fixe-se:

Que a vida é nossa por refração colorida”

“A vida é nossa por refração colorida.” Fausto aprendeu agora a verdade sobre suas tentativas de abordar o absoluto diretamente, de ficar “atrás” dos fenômenos, por assim dizer, a fim de ver o que Kant chamou de reino numenal (essências, coisas como são em si mesmas).

Ele percebe que essas suas tentativas fracassadas seja através do estudo acadêmico, da magia, do sentimento, da natureza, da inocência feminina ou da beleza feminina, foram todas equivocadas, e ele renúncia completamente a todas essas coisas.

O homem não pode ver a “essência das coisas como elas são” da mesma forma que não pode olhar diretamente para o sol.

Mas isso significa que o homem nunca poderá conhecer a verdade?

Que a relação entre os mundos fenomênico e numenal, isto é, entre as coisas como elas realmente são em si mesmas e como nos aparecem.

E é, como muitos estudantes de Kant[6] acreditaram, a relação tênue da impressão subjetiva determinada pela própria estrutura da mente?

Ou que a verdade é apenas uma criação da nossa mente? Absolutamente não!  A mente não pode criar a realidade.

Pois embora os raios do sol possam nos machucar e cegar quando olhamos diretamente, essa mesma luz pode ser vista, e até mesmo apreciada em sua beleza, quando refratada no arco-íris colorido.

É neste mundo empírico (baseado na experiência e na observação), Fausto percebe agora, que o homem contacta(conecta) simbolicamente o absoluto através da fé e da razão.

Para Goethe o símbolo é uma manifestação concreta e verdadeira no tempo e no espaço da realidade transcendental, eterna e infinita que não tocamos materialmente.

Goethe anteriormente acreditava ser real apenas aquilo que é simbólico e vice-versa, como expresso equivocadamente no idealismo alemão[7].

Assim, a mensagem final de Fausto é que o MUNDO REAL, tal como o percebemos, é o símbolo, a epifania, o quase sacramento (sinais, atos) do Divino, assim como a refração de um arco-íris é o “símbolo” da pura luz solar.

Isso é exatamente o que o Apostolo Paulo diz em Romanos 1.19-22

19 pois o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou.

20 Pois desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas, de forma que tais homens são indesculpáveis;

21 porque, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe renderam graças, mas os seus pensamentos tornaram-se fúteis e os seus corações insensatos se obscureceram.

22 Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos:

Mas Fausto não para por aqui. Ele não está satisfeito apenas em conhecer esta nova verdade. Isso ainda seria gnosticismo, conhecimento por si só. Fausto aplicará esse insight e o viverá na vida.

[1] https://digitalcommons.liberty.edu/cgi/viewcontent.cgi?referer=&httpsredir=1&article=1058&context=kabod

[2] O romantismo é um movimento artístico e cultural que privilegia as emoções, a subjetividade e o individualismo. Contrário ao objetivismo e as tradições clássicas de perfeição, ele apresenta uma visão de mundo centrada no ser humano, com destaque para as sensações humanas e a liberdade de pensamento.

Os românticos tinham um amor pela natureza, pelo belo, pelas crianças, pela inocência, pelo natural, simples e puro. Os românticos veneram a criação acima do criador.

O panteísmo, por exemplo, floresceu particularmente no período romântico e tornou-se indiscutivelmente uma das suas características definidoras. O ateísmo também foi cada vez mais defendido, aderindo aos princípios empíricos da Era do Iluminismo.

[3] Homem Halakhic é a obra clássica do pensamento judaico e religioso moderno do proeminente teólogo judeu ortodoxo e estudioso talmúdico do século XX. É uma excursão profunda pela psicologia religiosa e pela fenomenologia, uma tentativa pioneira de uma filosofia de halakhah e uma crítica rigorosa do misticismo e da religião romântica.

[4] Ação de distinguir; ato de entender ou de perceber a diferença entre uma coisa e outra.

[5] A refração é o fenômeno óptico que mostra o comportamento da luz ao mudar de meio material. A refração é o fenômeno óptico em que ocorre alteração da velocidade da luz em virtude da mudança de meio de propagação.

“Podemos perceber a refração em nosso cotidiano: quando um objeto é mergulhado em água e aparenta estar quebrado, na formação do arco-íris (em que duas refrações consecutivas geradas quando a luz entra e sai de uma gota d’água causam a dispersão da luz), no uso do índice de refração como parâmetro para controle de qualidade de diversos”.

[6] Na metafísica, Kant dividiu o mundo entre numênico e fenomênico. O mundo numênico seria a realidade verdadeira, enquanto o outro seria o que aparece para nós, o mundo das experiências que processamos.

[7] Eles também sustentaram que a realidade e o conhecimento estão intrinsecamente ligados ao eu e que, por meio da autoconsciência, os indivíduos podem alcançar a liberdade e a autodeterminação.

O Idealismo é uma corrente filosófica que surgiu na Modernidade, a partir do Racionalismo de René Descartes. Segundo essa concepção, a realidade não pode ser separada da razão humana, que forma uma ideia sobre as coisas. Assim, elas só existem para mim enquanto eu penso nelas ou as vejo.