Sermão Nº 1 – Mensageiro da graça. Referência: Jonas 1:1-3. Pregação do Pastor Jairo Carvalho em 16/01/2019

INTRODUÇÃO:

Os eruditos têm apontado uma grande necessidade de recuperar o Antigo Testamento. Ele apresenta o mesmo Deus, o mesmo evangelho, e os mesmos temas de pecado e redenção na forma de eventos históricos, que estabelecem um vínculo poderoso conosco hoje. E isto vale também para o livro de Jonas. Jonas é um personagem com características tão contemporâneas, que poderia sair de uma das nossas igrejas com a mesma facilidade com que saiu da barriga do peixe. Jonas nos ensina que uma coisa é conhecer a doutrina da salvação por meio da graça, e outra bem diferente é conhecer experimentalmente a graça manifestada na doutrina da salvação. Esta é a lição de Jonas, o profeta que conhecia a graça de Deus, mas foi desafiado por Deus a abraçá-la.

Um certo comentarista[1] resumiu a história de Jonas com estas palavras: “É, na verdade, um livro sobre […] como um homem veio a descobrir, por meio de experiências dolorosas, o caráter verdadeiro de Deus, ao qual ele havia servido já em anos anteriores de sua vida. Ele precisava experimentar a doutrina sobre Deus (que lhe era familiar havia muito tempo) tornando-se realidade em sua experiência”. Quando as pessoas pensam em Jonas, a maioria se lembra apenas do famoso peixe que o engoliu. A primeira pergunta delas é: Isso realmente aconteceu? Ou: Que tipo de peixe era esse? Mas para o livro essas perguntas são secundárias. O que é muito mais importante é que Jonas nos confronta com questões tão relevantes como a graça de Deus para os ímpios, a soberania de Deus sobre seus servos e a intensa luta humana com o perdão e arrependimento.  O livro de Jonas não trata tanto desse grande peixe que aparece no meio da história deste livro; antes, esse livro pretende ensinar que Jonas tem um grande e gracioso Deus.

 

  1. A profecia de Jonas

Quando nos aproximamos de um livro de profecia, costumamos pensar em previsões do futuro ou pronunciamentos divinos para o povo de Deus. Mas o livro de Jonas relata basicamente a história da vida do próprio profeta. Os paralelos mais próximos são os relatos de Elias e Eliseu em 1 e 2Reis. Na verdade, visto que Jonas inicia seu ministério pouco tempo após Elias e Eliseu, é provável que ele tenha sido um de seus sucessores imediatos, e ele pode até ter sido um discípulo pessoal do Elizeu.

A Bíblia não revela o nome do autor do livro de Jonas, mas Jonas pode muito bem ter escrito sobre sua própria experiência. Alguns estudiosos argumentam que a língua hebraica encontrada nesse livro é típica de um período posterior da história, talvez do tempo do exílio dos judeus na Babilônia. Mas esse argumento não é conclusivo, já que o dialeto nortista de Jonas poderia explicar as diferenças na linguagem e no estilo.  Ou seja, não existe razão convincente para duvidar de que esse livro da Escritura date do tempo que ele descreve, ou seja, do século VIII a.C. Pode ser útil saber algumas coisas sobre o mundo em que Jonas vivia. De acordo com 2Reis 14.25, Jonas serviu como profeta no tempo do rei Jeroboão II, um dos muitos reis ímpios do reino do norte de Israel. Já haviam se passado mais ou menos 150 anos desde a morte do rei Salomão, e fazia muito tempo que a nação estava dividida.

Dez das 12 tribos de Israel haviam se unido nesse reino do norte, apenas Judá e Benjamim permaneciam fiéis ao trono davídico em Jerusalém e adoravam no templo construído por Salomão. O reino do norte tinha muitos problemas, começando pela idolatria constante e rebelião contra o Senhor. Essa era a questão principal com a qual os profetas lidavam. No entanto, existiam também problemas políticos e militares, pois logo ao norte desse reino ficava o Império Assírio, a super-potência da época. Uma preocupação constante de Israel era preservar sua independência e seu poder contra essa ameaça.

Os profetas do reino do norte se dedicavam a duas tarefas principais. A primeira era chamar os reis e a nação para o arrependimento. Encontramos homens como Elias desafiando os sacerdotes de Baal e confrontando o rei com sua idolatria. Segundo, os profetas também eram também mensageiros da graça. Repetidas vezes, Deus demonstrou sua misericórdia a seu povo desviado, frequentemente por meio do ministério desses profetas. É nesse contexto que Jonas é mencionado em 2 Reis. Durante algum tempo, a Assíria se encontrava dividida e sofria de fome, de forma que as antigas fronteiras de Israel puderam ser restauradas. Isso aconteceu pela mão de Deus, como demonstração de sua graça a Israel, para renovar sua esperança e incentivar seu arrependimento. O próprio Jonas havia proclamado essas boas-novas:

Restabeleceu ele [o rei] os limites de Israel, desde a entrada de Hamate até ao mar da Planície, segundo a palavra do Senhor, Deus de Israel, a qual falara por intermédio de seu servo Jonas, filho de Acoitai, o profeta, o qual era de Gate–Hefer. Porque viu o Senhor que a aflição de Israel era mui amarga, porque não havia nem escravo, nem livre, nem quem socorresse a Israel. Ainda não falara o Senhor em apagar o nome de Israel de debaixo do céu; porém os livrou por intermédio de Jeroboão, filho de Jeoás (2Rs 14.25-27).

Isso mostra que Jonas se encontrava numa posição extraordinária para ver a graça e a misericórdia de Deus. Israel não merecia o favor de Deus; na verdade, sua perversão merecia a ira de Deus. No entanto, Deus foi misericordioso. Ele estendeu sua mão para reunir seu povo desviado. Aqui, Jonas ocupava uma cadeira na primeira fila. Mas, como documenta este livro, Jonas ainda tinha muito a aprender sobre a graça de Deus, assim como nós.

 

  1. A preocupação redentora de Deus com o mundo

O conflito de Jonas com a graça de Deus se manifesta desde o início do livro. A causa foi um chamado inesperado de Deus que chocou e repugnou o profeta. “Dispõe-te”, disse o Senhor, “vai à grande cidade de Nínive e clama contra ela, porque a sua malícia subiu até mim” (Jn 1.2). Esse é o tipo de ordem que um profeta precisa estar preparado a receber: um chamado para confrontar os ímpios com seus pecados. O que, então, deixou Jonas tão aborrecido? Foi simplesmente isto: seu conhecimento da graça de Deus.

Jonas havia aprendido o que a maioria das pessoas não sabe, ou seja, que, quando Deus nos confronta em nossos pecados, seu propósito é demonstrar sua misericórdia e assim salvar. Conhecendo a graça de Deus, Jonas suspeitou desde o início do propósito de Deus em relação à odiada cidade de Nínive. Isso nos lembra de que Deus está ciente de tudo que acontece no mundo. A maioria das pessoas acredita que, se elas ignorarem Deus, Deus também as ignorará. Gostam de imaginar Deus — se é que pensam nele — como o RELOJOEIRO CEGO que dá corda aos relógios e depois os entrega a si mesmos.

Esse texto retrata Deus como alguém que observa, não de maneira passiva e indiferente, mas como um Deus ativo e que leva o pecado a sério? Nínive era uma cidade que, aparentemente, tinha pouco conhecimento sobre o Deus verdadeiro e que estava completamente entregue ao mal. No entanto, isso não significa que Deus não conhecia Nínive ou que ele já havia entregado a cidade ao Juízo Final. O mesmo vale hoje: as pessoas podem negar Deus, mas Deus não as nega, não ignora seu pecado e não deixa de estender sua misericórdia para a salvação delas. Essa é uma verdade que muitos membros do povo de Deus têm achado difícil de aceitar. Eles se alegram quando Deus estende sua misericórdia a eles — mas não aos outros! Era essa a postura dos israelitas antigos, que se gabavam de ser o povo eleito de Deus. Os israelitas possuíam a palavra dos profetas e a aliança da graça de Deus. Mas se esqueceram de que as possuíam não exclusivamente para si mesmos, mas como legado para o mundo inteiro.

O salmista cantou: “Seja Deus gracioso para conosco, e nos abençoe, e faça resplandecer sobre nós o rosto; para que se conheça na terra o teu caminho e, em todas as nações, a tua salvação” (Sl 67.1-2). Na verdade, o chamado de Israel para abençoar as nações remete à sua origem, à promessa de Deus ao patriarca Abraão:”de ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma bênção!” (Gn 12.2). Nesse sentido, Jonas é uma figura que representa todo Israel. Ele ficou ressentido com a ideia de que o Deus de Israel pretendia enviar a graça de Israel aos não israelitas — especialmente aos cidadãos tão odiados de Nínive. O nome Nínive dominava seus pensamentos da mesma forma que Babilônia mais tarde preencheria de medo os corações judeus.Nínive era a capital militar da Assíria, um lugar de maldade e violência desenfreadas.

Os melhores paralelos contemporâneos seriam as organizações terroristas mais violentas ou cartéis do narcotráfico, que atacam suas vítimas com prazer sanguinário. Uma visita ao British Museum, em Londres, que possui uma coleção fantástica de artefatos assírios, revela que os próprios assírios se retratavam como opressores sadistas e genocidas. Os israelitas do norte como Jonas — acredita-se que sua cidade natal de Gate-Hefer se situava no extremo norte da região — eram os que mais sofriam com as depredações assírias.

Assim, Jonas era como os cristãos de hoje que desejam a graça de Deus para si mesmos e o julgamento de Deus contra os ímpios, especialmente contra aqueles que os machucaram e que os perseguem. Como é fácil pedirmos a bênção de Deus para nós mesmos, enquanto oramos que ele amaldiçoe o colega que manchou nossa reputação, o ladrão que arrombou nossa casa ou o membro da familia que nunca nos agraciou com uma palavra de carinho. Jonas não queria que Nínive fosse abençoada por causa daquilo que Nínive havia feito ao seu povo e poderia voltar a fazer. Seu conflito com a graça de Deus nasceu, pelo menos em parte, da amargura, da repulsão, do ódio e o medo.

Mas o RESSENTIMENTO de Jonas não se voltava apenas contra os inimigos da sua nação. Ele parece ter desprezado também a graça de Deus para todos os pecadores indignos. No fim do livro, Jonas explica por que ele rejeitou o chamado de Deus para pregar em Nínive: “… pois sabia que és Deus clemente, e misericordioso, e tardio em irar-se, e grande em benignidade, e que te arrependes do mal” (Jn 4.2). Jonas pode ter aprendido isso de Êxodo 34.6, onde o Senhor se revela como “Deus compassivo, clemente e longânimo e grande em misericórdia e fidelidade“. Essa verdade foi confirmada pela interação de Jonas com o rei ímpio de Israel. A despeito dos pecados grosseiros de Jeroboão contra Deus — muitos dos quais haviam causado aflição entre os fiéis —, Deus havia estendido sua misericórdia a ele. A essa altura, Jonas já não aguentava mais a MISERICÓRDIA PERDOADORA de Deus para os ímpios.

Deus havia estendido sua graça a Jeroboão e aos israelitas idólatras, e Jonas havia transmitido essa boa notícia por meio de sua pregação. Mas não era uma boa notícia para ele. Ele compreendia por que Deus demonstraria seu favor a pessoas como ele — ele não era fiel? —, mas ficou ressentido com a graça de Deus com seus inimigos e os ímpios. Essa justiça própria perdurá ainda hoje, e ela explica por que muitos cristãos falham na proclamação das boas-novas da salvação em Jesus Cristo às pessoas que eles consideram indignas. Se Jonas já se sentia assim em relação aos israelitas idólatras, maior devia ser seu desdém pelos cidadãos idólatras de Nínive. Quando nos olhamos no espelho, seria bom refletir sobre como, igual a Jonas, nutrimos uma falta de misericórdia em relação àqueles que pecaram contra nós.

 

  1. Uma avaliação espiritual.

Deveríamos refletir sobre os erros revelados pela postura insatisfeita de Jonas. Poderíamos começar percebendo que o RESSENTIMENTO em relação à graça de Deus é um sinal certo de DECLÍNIO ESPIRITUAL. Não nos surpreende que esse tipo de pensamento se manifestasse até mesmo nos profetas de um tempo como o de Jonas. O comentarista Hugh Martin do século 19 descreve esse tempo como:

“Nos dias da degeneração de Israel, quando acedeu ao FORMALISMO; e a gratidão contrita, à cerimônia fria e superficial; Quando o orgulho, curiosamente acompanhando a iniquidade e imprestabilidade crescentes, reivindicava arrogantemente o direito ao privilégio da aliança. Na mesma medida em que violavam todo o espírito da aliança; quando o espírito fechado e limitado do legalismo, apoiando suas reivindicações em distinções carnais e dizendo: Temos Abraão como nosso Pai’, solapou o verdadeiro espírito de Israel.

Se refletirmos um pouco sobre a mentalidade de Jonas, nós nos lembraremos do espírito dos fariseus no tempo de Jesus. Martin comenta que Jonas “representa exatamente a parte do fariseu da parábola, enquanto o publicano represente talvez o desperdício do paganismo.” Como podemos saber se estamos nos aproximando desse tipo de atitude? Se a nossa preocupação primária na adoração for a nossa preferência teológica e não o Deus cujo nome louvamos. Se olharmos para os ímpios em nossa volta e virmos principalmente uma ameaça ao nosso estilo de vida cristão em vez de pecadores perdidos que precisam do evangelho. Se orarmos por perdão dos nossos pecados, mas por justiça para os agentes de uma cultura ímpia, então não há dúvida de que o espírito fariseu de Jonas está dentro de nós.

Em segundo lugar, o ressentimento de Jonas revela sua profunda ignorância de Deus. Ele via o Senhor como seu Deus e como Deus de Israel, mas não como o Deus de Nínive. Martin observa:

“Jeová é o Deus dos espíritos de toda carne e ele reina sobre todas as nações. Cada ideia mais limitada de seu governo o reduz, se não ao nível, pelo menos à companhia dos deuses locais, territoriais e geográficos do paganismo. E assim, ao assumir uma visão errada sobre a relação do paganismo com o Deus vivo e verdadeiro, o Deus de Israel, Israel praticamente assimilou as visões do próprio paganismo.” O Deus verdadeiro é o Deus de toda a terra e de todos os povos. Se estender a graça salvífica a Israel e àqueles que assumiram o nome de cristãos o glorifica, estender a graça do evangelho a cada pecador no mundo o glo-rifica igualmente. O ressentimento de Jonas revela também sua ignorância de si mesmo como pecador e do modo de justificação de Deus. Paulo escreve: “… todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus” (Rm 3.23–24). A pessoa que entende isso jamais voltará a olhar para a oferta de perdão para todos com outra postura que não seja maravilha e alegria. Um Jonas espiritualmente vibrante teria aceitado com gratidão o chamado de Deus para pregar em Nínive. Ele teria se lembrado da forma como fora salvo do seu pecado e justificado pela graça, recebida exclusivamente por meio da fé, e teria corrido até Nínive o mais rápido possível. Mas como sempre acontece — e como aconteceu também no caso dele — com aqueles que se apresentam a Deus com reivindicações de seu próprio mérito. Confiando pelo menos em parte em suas obras ou em sua herança e não completamente na graça de Deus, há a perda do entusiasmo pela ideia da graça salvífica para os ímpios.

 

  1. Graça para as nações

A ideia de que o chamado do evangelho se estendia também a Nínive era algo novo e apavorante para a mente de Jonas. Até então, a graça de Deus havia se restringido a Israel. Apenas Israel celebrava a Páscoa. Apenas Israel possuía o templo do Senhor e os sacrifícios pelo pecado. Mas, espalhados entre os profetas anteriores, especialmente nos ministérios de Elias e Eliseu, já haviam surgido sinais de algo que ia além disso. Quando, por exemplo, Elias anunciou escassez de alimento em Israel, ele partiu para viver em regiões dos gentios. “Dispõe-te, e vai a Sarepta, que pertence a Sidom, e demora-te ali”, Deus lhe disse, “onde ordenei a uma mulher viúva que te dê comida” (1Rs 17.9). O profeta de Israel alimentado por uma mulher pagã, já que Israel estava faminto! Observe a semelhança notável disso com o chamado de Deus a Jonas: “Dispõe-te, vai à grande cidade de Nínive”. Sugere que o chamado de Deus dirigido a Jonas era uma advertência ao Israel incrédulo. Se Israel endurecesse seu coração, Deus encontraria fiéis em outros lugares que acolheriam seus profetas. Eliseu também se envolveu com os gentios. Um general siro chamado Naamã sofria de lepra e não conseguia encontrar uma cura. Então, sua escrava israelita lhe falou do profeta, e assim o siro saiu à procura de Eliseu. Naamã foi curado e voltou para casa como adorador do Deus verdadeiro. Isso demonstrou que as bênçãos salvíficas de Deus não se limitam a uma nação ou tribo, mas que todos que vêm em fé serão salvos.

Esses dois episódios são justamente os relatos que Jesus citou quando falou sobre esse assunto na sinagoga de Nazaré. Jesus havia se revelado como o Messias prometido, mas sua cidade natal não queria recebê-lo. Então Jesus respondeu: “Na verdade vos digo que muitas viúvas havia em Israel no tempo de Elias, quando o céu se fechou por três anos e seis meses, reinando grande fome em toda a terra; e a nenhuma delas foi Elias enviado, senão a uma viúva de Sarepta de Sidom. Havia também muitos leprosos em Israel nos dias do profeta Eliseu, e nenhum deles foi purificado, senão Naamã, o siro” (Lc 4.25-27). Os nazarenos pensavam como Jonas: “Todos na sinagoga, ouvindo estas coisas, se encheram de ira. E, levantando-se, expulsaram-no da cidade” (Lc 4.28-29). Isso revela uma trajetória clara entre as experiências de Elias e Eliseu, o chamado de Jonas para ir a Nínive e o chamado do evangelho de Jesus para as nações. O chamado de Deus a Jonas fazia parte desse grande plano para trazer salvação para o mundo inteiro. Desde sempre, este havia sido o plano de Deus, assim como havia dito a Abraão, pai de Israel: “… em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gn 12.3). Jonas não havia compreendido essa verdade. Ele acreditava na graça de Deus, mas ficou ressentido quando Deus demonstrou sua misericórdia aos ímpios em Israel. E certamente ele não acreditava na graça de Deus para o mundo inteiro. De certa forma, ele queria que Israel fosse glorificado ou até mesmo que apenas os justos de Israel fossem glorificados. O que ele precisava aprender era que o propósito da graça de Deus era que Deus fosse glorificado e que sua glória fosse manifestada no mundo inteiro.

Jonas temia que a graça de Deus para Nínive significasse uma PERDA para Israel. No entanto, a graça não funciona assim. ELA NÃO É PARTILHADA EM PORÇÕES — SE PARA UM, PARA O OUTRO NÃO. No plano de Deus, a graça sobreabunda por meio do seu evangelho, de forma que a bênção de Deus para Nínive resultaria também numa bênção para Israel. Na verdade, uma das melhores formas de uma pessoa ou nação satisfazer sua necessidade do evangelho é compartilhá-lo com outros. Encontramos exemplo disso na história das missões cristãs. Nos primeiros séculos da Idade Média, os cristãos do continente europeu fizeram grandes esforços para proclamar o evangelho nas Ilhas Britânicas. Fortalezas de ensino cristão foram estabelecidas naquelas terras “selvagens”, principalmente os monastérios na Irlanda e Escócia. Dentro de poucos séculos, porém, as invasões dos bárbaros assombraram o continente e nessa confusão o evangelho quase se perdeu. Cristãos britânicos perceberam isso, e nos séculos 7° e 8° missionários como Columbano da Irlanda e Willibrord e Winfrid da Saxônia devolveram a luz do evangelho à Europa. E tudo isso apenas porque gerações anteriores de cristãos continentais haviam levado o evangelho à Inglaterra, preservando assim — pela obra providencial de Deus — o evangelho para seus próprios descendentes. Com isso em mente, a devoção de Jonas a Israel deveria tê-lo motivado a fazer a viagem para Nínive. Mas Deus tinha ainda outro propósito: ao enviar sua graça para o centro do paganismo e ao manifestar ali o seu poder salvífico, DEUS QUERIA PROVOCAR O CIÚME DE SEU PRÓPRIO POVO. Deus havia predito isso no tempo de Moisés, caso seu povo se voltasse para os ídolos: “A zelos me provocaram com aquilo que não é Deus; com seus ídolos me provocaram à ira; portanto, eu os provocarei a zelos com aquele que não é povo; com louca nação os despertarei à ira” (Dt 32.21).

Deus tinha um plano para repreender Israel e provocar seu ciúme enviando seu profeta para a capital do paganismo. Ele estava lhe dando uma advertência preliminar daquilo que sua INGRATIDÃO CONTÍNUA TORNARIA INEVITÁVEL — remover de Israel o seu vinhedo e entregá-lo a um povo que produziria seu fruto. É difícil não se perguntar se algo semelhante não estaria ocorrendo hoje, no Ocidente que já foi cristão, em relação às terras antigamente pagãs dos países emergentes. Em muitos lugares da África, da América do Sul e da Ásia, a igreja cristã está crescendo rapidamente. Os evangelistas encontram ouvintes ávidos para ouvir seu testemunho do evangelho, e muitas orações missionárias são respondidas praticamente no mesmo momento em que são feitas. Poderia Deus estar querendo provocar o ciúme do Brasil, da Europa e da América do Norte, onde poucos parecem se interessar pelo cristianismo? Sim, essa disparidade relativa no sucesso do evangelho nos obriga aqui no Ocidente a arrepender-nos do nosso mundanismo e buscar o Senhor para um novo despejamento de seu Espírito Santo sobre as terras que, no passado, brilharam com a luz de Cristo. Foi por misericórdia com Israel que Deus enviou sua graça a Nínive, para que o povo de sua aliança renovasse sua fé. Foi essa mesma misericórdia com os judeus que enviou o evangelho de Jesus Cristo aos gentios (veja Rm 11.11). E certamente é em parte por sua misericórdia com as nações ocidentais agora decadentes que Deus está manifestando sua graça salvífica em povos distantes.

 

CONCLUSÃO

Quero concluir com algumas lições da graça. Hoje, essas lições são tão relevantes quanto no tempo do profeta. Quais são elas? Primeiro, a graça de Deus deve sempre ser o principal deleite do povo de Deus; sem a alegria humilde pela graça de Deus, nenhum povo, nenhuma igreja, nenhuma nação pode persistir. Além do mais, o evangelho oferece um lembrete constante a cada fiel de que a sua salvação é uma dádiva soberana, misericordiosa e desmerecida, igual ao tipo de graça estendida ao pior pecador imaginável. A graça nos deixa humildes diante de Deus e nos ergue em fé salvífica. Por fim, conhecer Deus significa conhecer sua graça, e sentir a graça de Deus é correr com pés alados para compartilhá-la com o mundo, até para compartilhá-la com a Nínive dos nossos tempos. O problema de Jonas não era pequeno. Era um problema que, se não fosse remediado, levaria Jonas e Israel à ruína. Sim, foi por isso que Deus escolheu Jonas para essa missão; o fato de chamá-lo foi um ato de graça por parte de Deus. Deus está desafiando você com sua graça? Deus está desafiando suas atitudes em relação a ele, à igreja, ao povo do qual você se ressente e ao mundo inteiro? Se este for o caso, ele não está desafiando você apenas por causa de sua graça para eles, mas também por causa da graça dele para você.

[1] Sinclair Ferguson.