O sábio Salomão quando consagrou o templo de Jerusalém (1 Reis 8:27), fez a seguinte pergunta: “Mas de fato habitaria Deus na terra”? O evangelho de João, como uma águia, que voa nas alturas excelsas, atinge os cumes mais altos da revelação bíblica, penetrando os umbrais da eternidade e trazendo para o palco da História essa verdade mais estonteante e gloriosa. Mostra com eloquência singular como o transcendente torna-se imanente, como o infinito entra nos limites do finito, como o eterno invade o tempo e como Deus veste pele humana para habitar entre nós. Vamos, agora, tirar as sandálias dos pés e pisar em terreno santo. Vamos abrir as cortinas da eternidade e receber a mais audaciosa revelação da pessoa e da obra do Verbo divino, Jesus de Nazaré.
A parte inicial do evangelho de João, (1: 1-18), é o fundamento para todo o restante do livro. Pois resume a forma como “O Verbo”, que estava junto com Deus no princípio, entrou na esfera do tempo, do espaço e da matéria. Em outras palavras, como o Filho de Deus foi enviado ao mundo para tornar-se o Jesus da História, de forma que a glória e a graça de Deus pudessem ser manifestadas de modo singular e perfeito. O restante do livro não é nada mais que uma ampliação desse tema. O prologo antecipa a temática do restante desse evangelho. Traçando o mesmo paralelo entre a atuação de Deus na primeira criação e na nova criação.
Vejamos as verdades destacadas no início desse livro.
I. Os atributos do Verbo (1.1-4)
João não começa com a genealogia de Jesus como Mateus e Lucas. Isso porque seu propósito é apresentar Jesus como Deus; e, como tal, ele não tem árvore genealógica. Seis verdades acerca do Verbo devem ser colocadas em relevo aqui.
1. O Verbo é eterno (1.1a). No princípio era o Verbo […] Ao referir-se ao logos, Verbo, a Palavra; João se volta para a eternidade, antes do princípio de todas as coisas. Quando tudo começou (Gn 1.1), o Verbo já existia. Ele já existia antes que a matéria fosse criada e antes que o tempo começasse. Ele é antes do tempo. É o Pai da eternidade. Em Génesis 1.1, no princípio inicia a história da primeira criação; aqui, a expressão inicia a história da nova criação. Nas duas obras de criação, o agente é a Palavra de Deus. Na eternidade passada, antes do começo de todas as coisas, antes de existir — ESPAÇO, TEMPO, e MATÉRIA, no princípio, antes do início de tudo, o Verbo já existia no eterno e infinito presente. Não está escrito: “No princípio o Verbo foi feito”, e nem “o Verbo era um Deus”; como está na tradução novo mundo usada pelas testemunhas de Jeová. O texto grego e o português, diz claramente: “No princípio era o Verbo”. Estas duas palavras “princípio” e “era” são duas âncoras que mantêm firmes o fundamento da nossa fé, diante das tempestades das heresias que vierem a ser ensinadas séculos mais tarde. O tempo “verbal no imperfeito” sugere nesta relação, até onde a linguagem humana pode ir, a noção de uma existência além do tempo.Embora o termo logos tenha desempenhado um papel no gnosticismo pagão — como um dos passos através dos quais a pessoa desenvolveu seu caminho em direção a Deus, e como tal é encontrado dessa forma em numerosas heresias judaicas e cristãs —, não temos aqui uma inclusão pagã no Novo Testamento.
No pensamento filosófico grego, logos era usado em relação ao princípio racional ou à mente que regia o universo. No pensamento hebraico, o Verbo de Deus era sua AUTOEXPRESSÃO ativa, a revelação de si mesmo para a humanidade através da qual uma pessoa não só recebe a verdade a respeito de Deus, mas se encontra com Deus face a face. Jesus, o logos, existia antes da criação (17.5). O logos não era um ser criado, como ensinou Ário, o herético do século quarto, e como ensinam hoje as testemunhas de Jeová. F. F. Bruce esclarece esse ponto dizendo que o termo logos era conhecido em algumas escolas gregas de filosofia, onde significava o “princípio da razão” ou “ordem imanente no universo”, o princípio que dá forma ao mundo material e constitui a alma racional no ser humano. Entretanto, não devemos procurar o pano de fundo do pensamento e da linguagem de João no contexto filosófico grego, mas na revelação hebraica do Antigo Testamento, onde a “Palavra de Deus” indica Deus em ação. Portanto, se entendermos logos nesse prólogo (inicio) como “palavra em ação”, seremos mais bem instruídos sobre o que João quis dizer.
2. O Verbo é uma pessoa igual ao Pai em essência, mas distinto em natureza (1.1 b,2). […] e o Verbo estava com Deus […] Ele estava no princípio com Deus. Antes da criação do universo, nos recônditos da eternidade, o Verbo desfrutava plena comunhão com Deus Pai. A expressão grega pros ton theon traz a ideia de “face a face com Deus”. Deus Pai e o Verbo, embora sejam duas pessoas, estão unidos por inefável união.” Charles Swindoll diz que a preposição pros, quando usada nesse contexto, significa familiaridade. O Verbo e Deus Pai existiam face a face, compartilhando intimidade e propósito. Ao mesmo tempo que o Verbo é distinto de Deus, é igual a ele, pois é da mesma substância. O Verbo conhecia o Pai, era igual ao Pai, embora distinto, e tinha com ele profunda comunhão. Portanto, o Verbo não é uma energia cósmica, mas uma pessoa. O Verbo é Jesus. O Verbo compartilha da natureza e do ser de Deus. O Verbo de Deus é distinto de Deus em si, mas tem uma relação pessoal muito íntima com ele, pois participa da própria natureza de Deus.
3. O Verbo é divino (1.1 c). […] e o Verbo era Deus. A expressão grega théos ên ho lógós. Aqui vemos uma doutrina madura da trindade. João é o escritor mais direto do novo testamento, a falar sobre a divindade de Jesus, e chamando-o abertamente de Deus.O Verbo não é meramente um anjo criado ou um ser inferior a Deus Pai e investido por ele com autoridade para redimir pecadores. Ele mesmo é Deus, co-igual com o Pai. João agora trata da natureza do Verbo. O Verbo é divino! O apóstolo João abre seu evangelho fazendo uma afirmação categórica e irrefutável da divindade de Jesus. Jesus não é apenas um mestre moral; ele é Deus. Essa é a grande tese de João nesse evangelho. Numa só sentença, o primeiro versículo do evangelho de João declara que o verbo é eterno, que é uma pessoa e que ele é Deus. João pretende que o todo de seu evangelho seja lido à luz desse versículo. Os feitos e as obras de Jesus são os feitos e as obras de Deus; esta é a razão dos milagres registrados por João neste evangelho.
4. O Verbo é criador (1.3). Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito existiria. O “Verbo”, a “Palavra”, não é uma parte do mundo que começou a existir no tempo; o Verbo estava com Deus na eternidade, antes do tempo. O Verbo é Deus. O Verbo é o agente divino na criação do universo. Foi ele quem trouxe à existência as coisas que não existiam. Deus disse: Haja luz. E houve luz (Gn 1.3). O Verbo é a palavra criadora de Deus, por meio de quem todas as coisas foram feitas, tanto as visíveis como as invisíveis, tanto as terrenas como as celestiais (CI 1.16). Hebreus 1.2 fala a respeito do Filho de Deus por meio de quem também fez o universo. O Pai idealizou a criação, e o filho realizou a obra da criação. Logo; Deus é o criador, e o Verbo é o agente. Todas as coisas, uma a uma, vieram a existir por meio dele. De tudo o que existe hoje, não há nada que tenha se originado à parte da pessoa de Jesus, ele fez o homem com suas próprias mãos. O próprio Senhor Jesus fez corpo humano, do barro, e depois soprou nas narinas de Adão, dando vida, a um corpo que seria sua morada permanente na obra da encarnação. As duas partes do versículo dizem a mesma coisa, primeiro positivamente (todas as coisas foram feitas por intermédio dele) e depois negativamente (sem ele, nada do que foi feito se fez). Como em toda a Escritura, João tem em vista um princípio para a criação do mundo material e para aqueles seres criados que povoam o universo espiritual, sendo Cristo o “agente ativo” nessa criação.
5. O Verbo é autoexistente (1.4). A vida estava nele e era a luz dos homens. Todos os seres que existem no universo foram criados e por isso não têm vida em si mesmos. Só Deus tem vida em si mesmo. Só Deus é AUTOEXISTENTE. O Verbo não recebeu vida; ele é a vida. Dele decorre todas as coisas. Ele é a Fonte de tudo o que existe. Ele é a vida, a luz dos homens. Embora Jesus seja a fonte de toda a vida biológica, a palavra grega usada aqui, e outras 35 vezes nesse evangelho, nunca é bios, vida biológica, mas zoe, vida espiritual.Ou seja, vida do alto (3.3), vida eterna (3.15,16; 20.31), vida abundante (10.10). Como o Verbo é a fonte de toda a vida, também ele é a fonte de toda a luz (Sl 36.9). Ele é a luz do mundo (8.12). F. Bruce explica: A expressão “[…] e a vida era a luz dos homens” vale tanto para a iluminação natural da razão concedida à mente humana como para a iluminação espiritual que acompanha o novo nascimento; Nenhuma das duas pode ser recebida sem a luz que está no Verbo. O que o evangelista tem em mente aqui é a iluminação espiritual que dissipa a escuridão do pecado e da descrença.” William Barclay diz que a luz aqui tem três significados: é a luz que faz desaparecer o caos (1.5); é a luz reveladora que tira as máscaras e os disfarces e mostra as coisas como de fato são (3.19,20); e é a luz que guia (12.35; 12.46).
6. O Verbo é a luz que prevalece (1.5). A luz resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceram contra ela. Onde a luz chega, ela espanta as trevas. A luz desmascara e dissipa as trevas. O mundo está em trevas, porque o diabo cegou o entendimento dos incrédulos. Mas onde Jesus se manifesta salvificamente, as vendas dos olhos são arrancadas e os cativos são trasladados do império das trevas para o reino da luz. Na primeira criação havia trevas sobre a face do abismo (Gn 1.2), até que Deus chamou a luz à existência. Da mesma forma, a NOVA CRIAÇÃO abrange a expulsão da escuridão espiritual pela luz que brilha no mundo. Sem a luz, que é Cristo, o mundo das pessoas está envolto em trevas.
II. As testemunhas do Verbo (1.5-13)
João deixa de apresentar o Verbo para introduzir seu arauto. Destaco a seguir três fatos importantes:
1. O arauto do Verbo (1.6-9). “João foi enviado por Deus”. João Batista foi enviado para testemunhar de Jesus, a fim de que todos colocassem sua confiança nele. O texto está dizendo (v.7) “para que todos cressem por ele”. Ou seja, para que todas as pessoas tocadas pela autoridade de João Batista, crendo em se testemunho, pudesse receber a Cristo. Assim era necessário que tal testemunha; que era considerado o maior dos profetas pelos judeus; em quem os israelitas confiavam fosse enviada por Deus, para atrair os olhos de todos. Cristo afirma sobre João Batista, “Ele era a lâmpada que ardia e alumiava”, e lemos que todo o povo ia ter com ele”. Cristo era desconhecido deles, mas João era bem conhecido, ele vai testificar que ele é o cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo. Por isso a insistência de João Batista ele é maior do que eu, do qual eu não sou digno nem de desatar as sandálias dos pés. João sabia o seu lugar. Ele era o arauto da luz, e não a luz; era o amigo do noivo, e não o noivo; era a voz, e não a mensagem; era o servo, e não o senhor. Jesus é a verdadeira luz. As outras que vieram foram apenas sombras da luz verdadeira.
João destaca o quão são numerosas as testemunhas da verdade da autorrevelação de Deus no Verbo: Há o testemunho da mulher samaritana, as pessoas creram em Jesus, por causa do testemunho dela, ela era conhecida, mas Jesus desconhecido (4.39). Há o testemunho, das próprias obras milagrosas de Jesus (5.36; 10.25), toda a vez que este evangelho, registra um milagre, e segue afirmando a divindade de Jesus. Há o próprio testemunho do Pai falando audivelmente “este é meu filho amado” (5.32,37; 8.18). Há o testemunho do Antigo Testamento (5.39,40), “Examinais as Escrituras, porque vós cuidais ter nelas a vida eterna, e são elas que de mim testificam”. Há o testemunho da multidão: (12.17), que viram ressuscitar a lazaro dos mortos e clamavam: Hosana; bendito o Rei de Israel que vem em nome do Senhor”. Há o testemunho do Espírito Santo e dos apóstolos (15.26,27). Todos esses dão testemunho de Jesus, e ele próprio dá testemunho da verdade (18.37), em conjunto com o Pai (8.13-18). Todo esse testemunho foi dado com o propósito de promover a fé em Jesus. Esse é o objetivo com o qual esse evangelho foi escrito (20.31) “para que creias que Jesus Cristo é o filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome”.
João anuncia Jesus como a luz verdadeira, que salva todo homem que vive nas trevas, quando crer em Jesus (1.9). Cristo é a luz perfeita em cuja irradiância as demais luzes parecem tenebrosas. Somente ele pode tornar claro a cada indivíduo e significado e o propósito da sua vida. A primeira obra da criação foi a Luz. Assim Cristo é para a alma dos seres humanos o que o sol é para o mundo. Ele é o centro e a fonte de toda luz espiritual, calor, vida, saúde, crescimento, beleza e fertilidade. Como o sol, ele brilha para o benefício de toda a humanidade — para grandes e pequenos, ricos e pobres, judeus e gentios. Todos podem olhar para ele e receber livremente sua luz. Nesse versículo, João emprega um vocábulo bastante significativo para descrever Jesus. No grego, há duas palavras para definir “verdade”. A primeira delas é alethes, que significa “verdadeiro em oposição a falso”. A outra palavra é alethinos, que significa “real ou genuíno em oposição a irreal”. Jesus é a luz genuína que veio alumiar e esclarecer a humanidade. Jesus é a única luz genuína, a luz, verdadeira, que guia as pessoas em seu caminho.
2. A rejeição do Verbo (1.10,11). O Verbo estava no mundo, e este foi feito por meio dele, mas o mundo não o reconheceu. Cristo estava no mundo, invisivelmente, muito antes de nascer da virgem Maria. Ele estava desde o começo, reinando, ordenando e governando toda a criação. Ele é antes de todas as coisas. Ele deu a vida a todas as criaturas. Deu a chuva do céu e as estações frutíferas. Por ele, todos os reis governaram e todas as nações se levantaram e caíram. Mesmo assim, as pessoas não o reconheceram nem o honraram. Antes, serviram à criatura em lugar do criador (Rm 1.25). Ele veio para os judeus, o povo escolhido. Revelou a si mesmo pelos profetas. Veio para os judeus que liam o Antigo Testamento e viam-no sob os tipos e figuras em seu culto, professando esperar por sua vinda. E, mesmo assim, quando ele veio, os judeus não o receberam. Eles o rejeitaram, o desprezaram e o pregaram na cruz. Jesus veio para o que era seu, e os seus não o receberam. Embora presente, Jesus foi rejeitado. Embora onipotente, não foi reconhecido. Embora tenha amado seu povo, foi por ele rejeitado. Em um estilo majestoso, João retrata o fato, o propósito e o resultado da vinda de Jesus ao mundo. O fato: ele estava no mundo. O propósito: ele veio para o que era seu. O resultado: mas os seus não o receberam. João coloca, assim, em chocante contraste a OFERTA DIVINA e a REJEIÇÃO HUMANA da pregação do evangelho. Esta é a mensagem clara, “aquele que receberam…” e “aos que creem no seu nome”. Veremos que esse evangelho não se refere apenas à tragédia da incredulidade; apresenta igualmente o magnífico drama do desenvolvimento da fé.
Quando João nos diz que Deus ama o mundo, isso é um testemunho do caráter de Deus (3.16) e está longe de ser um endosso da cultura do mundo. “O mundo” no uso de João não compreende ninguém que tenha fé. Aqueles que alcançam a fé não são mais deste mundo; eles foram tirados deste mundo (15.19). Se Jesus é o Salvador do mundo (4.42), isso diz muito sobre Jesus, mas nada de positivo sobre o mundo. De fato, isso significa que o mundo precisa do Salvador. Precisamos deixar claro que a palavra grega kosmos, “mundo”, tem vários significados nesse evangelho: 1) universo (17.5); 2) habitantes humanos da terra (16.21); 3) público em geral (7.4; 14.22); 4) a humanidade alienada de Deus, levada pelo pecado, exposta ao julgamento e necessitada de salvação (3.16,19); 5) os seres humanos de cada tribo e nação, não somente os judeus, mas também os gentios (1.29; 4.42; 3,16,17; 6.33; 8.12; 9.5; 12.46); 6) o reino do mal (7.7; 8.23; 12.31; 14.30; 15.18; 17.9,14). Conclusivamente, por mundo, kosmos, João entende especialmente o mundo das pessoas, que vivem alienadas de Deus
Como podemos ver o Verbo de Deus no mundo em que vivemos? 1) Devemos olhar para fora e perceber que existe ordem no universo e, para tal, uma mente onipotente precisa estar por trás dessa ordem. Olhar para fora implica defrontar cara a cara com Deus, o criador do mundo. 2) Devemos olhar pra cima e perceber a grandeza insondável do mundo. Os cientistas dizem que o nosso universo tem mais de 92 bilhões de anos-luz de diâmetro, ou seja, se pudéssemos voar à velocidade da luz, 300 mil quilômetros por segundo, demoraríamos nessa velocidade mais de noventa bilhões de anos para ir de uma extremidade à outra. Os estudiosos afirmam que há mais estrelas no firmamento do que todos os grãos de areia de todas as praias e desertos do nosso planeta. 3) Devemos olhar para dentro. O grande pensador Immanuel Kant declarou que havia duas coisas que o encantavam: o céu estrelado acima de sua cabeça e a lei moral dentro de seu coração. 4) Devemos olhar para trás. Toda a História do mundo é uma demonstração da lei moral de Deus em ação:
3. A aceitação do Verbo (1.12,13). A salvação sai das fronteiras de Israel e se estende para o mundo inteiro. Pessoas de todas as tribos, raças e povos, que receberem Cristo, receberão o poder de serem feitas não apenas filhos de Abraão, mas filhos de Deus, de fazerem parte da família de Deus. Esse poder é conferido não aos que se julgam merecedores por suas obras, mas aos que creem no seu nome. Três verdades merecem atenção. Primeiro, a fé é universal em seu escopo (1.12) ela é oferecida a todos. Segundo; a fé oferece uma posição de suprema honra (1.12) “serão feitos filhos de Deus”. Terceiro, a fé não opera pelos meios naturais, mas pela forma sobrenatural (1.13). “Mas de Deus”; o novo nascimento é obra de Deus. Ser filho de Deus aqui significa muito mais do que simplesmente ser criado à imagem e semelhança de Deus (Gn 1.26,27); é ter um relacionamento íntimo e pessoal com ele. Os seres humanos não são naturalmente filhos de Deus; somente ao receberem Cristo, é que eles obtêm o direito de se tornarem filhos de Deus. Fica patente que o nascimento na família de Deus é bem diferente do nascimento físico. Esse direito do nascimento divino não tem nada que ver com laços raciais, nacionais ou familiares. O nascimento espiritual, a entrada na família cujo Pai é Deus, depende de fatores bem diferentes —a recepção pela fé daquele a quem Deus enviou. O milagre do novo nascimento é obra exclusiva de Deus, gerando os verdadeiros filhos de Deus e co-herdeiros de Cristo Jesus.
III. A encarnação do Verbo (1.14)
Depois de afirmar a perfeita divindade do Verbo, João agora assevera sua perfeita humanidade. Jesus é tanto Deus como homem. É perfeitamente Deus e perfeitamente homem. O Verbo que criou o mundo, a razão que controla a ordem do mundo, fez-se carne e veio morar entre os seres humanos. Possui duas naturezas distintas. E Deus de Deus, luz de luz, coigual, coeterno e consubstanciai com o Pai. Não obstante, fez-se carne. Nos dias em que João escreveu esse evangelho, ao final do primeiro século, quando já florescia o GNOSTICISMO, uma perigosa heresia que atacou o cristianismo, muitas pessoas tinham mais dificuldades de aceitar a humanidade de Cristo do que sua divindade. A influência do DUALISMO de Platão — espírito bom/matéria má — permeava a religião e a filosofia. Os gregos viam a morte como libertação da alma (o aspecto bom da humanidade) da prisão do corpo (o aspecto mau). Os gregos tinham intransponível dificuldade de entender como Deus, sendo santo, pudesse assumir um corpo material, já que a matéria era em si má. A fim de preservar a impecabilidade divina, os filósofos inventaram vários mitos para explicar como Cristo apareceu em forma humana sem ter um corpo material. O mais comum foi o DOCETISMO, afirmando que o corpo de Cristo era apenas aparente, mas não real e tangível. A afirmação de João de que o Verbo se fez carne é, portanto, algo contundente e que refutava essa heresia ensinada no primeiro século. Destacamos aqui algumas verdades preciosas.
1. O Verbo assumiu a natureza humana (1.14). E o Verbo se fez carne e habitou entre nós […] A expressão “SE FEZ” tem aqui um sentido muito especial. Não é um “se fez” ou “se tornou”, no sentido de ter cessado de ser o que era antes. O Verbo se fez carne, mas permaneceu sendo o Verbo de Deus (1.1,18). A segunda pessoa da Trindade assume a natureza humana sem deixar de lado a natureza divina. Nele as duas naturezas, divina e humana, estão presentes. O verbo “se fez” (egeneto) (v.14) expressa que a pessoa muda sua propriedade e entra em uma nova condição e se torna alguma coisa que não era antes. O tempo verbal no aoristo implica uma definitiva e completa ação; ou seja, não há volta na encarnação. O fato de o Filho de Deus ter se esvaziado e assumido a forma humana é irreversível. Deus, o Filho, sem cessar por um momento de ser divino, uniu-se a à plenitude da natureza humana e se tornou uma autêntica pessoa humana, mas sem pecado. Em Jesus Cristo, Deus “se fez homem”. Quando o Verbo se fez carne, as duas naturezas, divina e humana, se uniram inconfundível, imutável, indivisível e inseparavelmente. Vemos, portanto, a presença de Deus entre os seres humanos. O Verbo eterno, pessoal, divino, autoexistente e criador esvaziou-se de sua glória, desceu até nós e vestiu pele humana. A carne de Jesus Cristo tornou-se a nova localização da presença de Deus na terra. Jesus substituiu o antigo tabernáculo. Fez-se um de nós, em tudo semelhante a nós, exceto no pecado. Eis o grande mistério da encarnação! O termo grego sarx; “carne”, denota natureza humana, mas não natureza pecaminosa, como usualmente é seu sentido nos escritos de Paulo. Aquele que nem o céu dos céus pode conter, que mediu as águas na concha de sua mão, que pesou o pó da terra em balança de precisão, que mediu os céus a palmo e que espalhou as estrelas no firmamento, agora nasce entre os homens e é colocado numa manjedoura. Nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade (Cl 2.9).
Há muitos exemplos da aparição de Deus como homem no Antigo Testamento: a Abraão (Gn 18), a Jacó (Gn 32.25-33), a Moisés (Êx 3), a Josué (Js 5.13-6.5), ao povo de Israel Uz 2.1-5), a Gideão (Jz 6.11-24), a Manoá e sua esposa, pais de Sansão Uz 13.2-23). Mas aqui, na encarnação, é o Verbo de Deus que se torna um ser humano! Usando o verbo skenoo para traduzir “habitou”, João diz que o Verbo armou seu tabernáculo, ou morou em sua tenda, entre nós. O termo traria à mente o skene, o tabernáculo onde Deus se encontrava com Israel antes da construção do templo (Êx 25.8).
2. O Verbo trouxe salvação para a raça humana (1.14b). […] pleno de graça e de verdade […]. Vemos aqui a graça de Deus para os homens. Jesus manifestou-se cheio de graça e de verdade. Esses dois grandes conceitos, GRAÇA e VERDADE, não podem estar separados. Em Cristo, eles estão em plena harmonia. Graça é um dom completamente imerecido, algo que jamais poderíamos alcançar por nosso esforço. O fato de Jesus ter vindo ao mundo para morrer na cruz pelos pecadores está além de qualquer merecimento humano.
3. O Verbo veio revelar a glória do Pai (1.14c). […] e vimos a sua glória, como a glória do unigénito do Pai. Encontramos aqui a glória de Deus sobre os homens. Jesus é a exata expressão do ser de Deus. Nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade (Cl 2.9). Ele é coigual, coeterno e consubstancial com o Pai. Deus de Deus, luz de luz, eternamente gerado do Pai. Jesus é a EXEGESE de Deus. Quem o vê, vê ao Pai, pois ele e o Pai são um. A glória vista no Verbo encarnado foi a mesma glória revelada a Moisés quando o nome de Javé soou em seus ouvidos; mas, agora, essa glória foi manifestada na terra em uma vida humana, cheia de graça e de verdade.
IV. Verdades práticas sobre o Verbo (1.15-18)
João Batista, como arauto de Jesus, abre as cortinas e faz sua apresentação. Quatro verdades essenciais são apresentadas.
1. O Verbo preexistente tem primazia (1. 1 5).
João testemunhou a respeito dele, exclamando: É sobre este que eu falei: Aquele que vem depois de mim está acima de mim, pois já existia antes de mim. Ora, se Jesus nasceu seis meses depois de João Batista e veio depois dele, como já existia antes dele? A única resposta é que, antes de Jesus nascer como homem, já existia eternamente como Deus, por isso tem a primazia.
2. O Verbo tem plenitude de graça (1.16). Pois todos recebemos da sua plenitude, graça sobre graça. Aquele que é a plenitude de Deus veio para oferecer-nos sua plenitude. Nele temos não apenas graça, mas graça sobre graça. A graça está encarnada nele, e quem está nele tem graça abundante. O que os seguidores de Cristo tiram do oceano da plenitude divina é graça — cada onda é constantemente substituída por outra. Não há limites no suprimento de graça que Deus coloca á disposição do seu povo.
3. O Verbo é o fim da lei (1.17). Porque a lei foi dada por meio de Moisés; a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo. A lei é boa, santa e justa, porém nós somos pecadores. Ela é perfeita, mas somos imperfeitos. Por isso, a lei não pode justificar. A lei não tem poder para curar. A lei pode ferir, mas não pode fechar a ferida.” A lei é inflexivelmente exigente, e nunca conseguimos atender às suas exigências. Por isso, pela lei estamos condenados. O papel da lei, portanto, nunca foi nos salvar, mas convencer-nos do pecado, tomar-nos pela mão e conduzir-nos a Cristo. Ele é o fim da lei. Nele encontramos graça e verdade. Nele temos copiosa redenção. Em sua vida, morte e ressurreição, Jesus Cristo cumpriu todos os requisitos da lei; agora, Deus pode compartilhar a plenitude da graça com os que creem em Cristo. A graça sem a verdade seria enganosa, e a verdade sem a graça seria condenatória.
O evangelista João gosta de colocar a ordem antiga e a nova em termos antitéticos. Aqui, portanto, como nos escritos de Paulo, Cristo substitui a lei de Moisés como ponto central da revelação divina e do estilo de vida. Este evangelho mostra de diversas maneiras que a nova ordem cumpre, ultrapassa e substitui a antiga: o vinho da nova criação é melhor que a água usada na religião judaica. (2. 10); O novo templo é mais excelente que o antigo (2.19); o novo nascimento é a porta de entrada para um nível de vida que não pode ser alcançado pelo nascimento natural, mesmo dentro do povo escolhido (3.3,5);A água viva do Espírito, que Jesus concede, é muito superior à água do poço de Jacó e à água derramada no ritual da festa dos tabernáculos, no pátio do templo (4.13ss,; 7,37-39); O pão do céu é a realidade da qual o maná no deserto foi só um vislumbre (6.32ss,). Moisés Foi o mediador da lei; Jesus Cristo é mais que mediador, é a corporificação da graça e da verdade. “O Verbo era o que Deus era”.
4. O Verbo é o revelador do Pai (1.18). Ninguém jamais viu a Deus. O Deus unigênito, que está ao lado do Pai, foi quem o revelou. Deus é invisível, pois é Espírito. Ele habita em luz inacessível. Contudo, a segunda pessoa da Trindade, o Verbo eterno, chamado claramente aqui pelo apóstolo João de DEUS UNIGÊNITO, eternamente gerado do Pai, veio ao mundo exatamente para nos revelar Deus Pai. João ensina que o Pai é Deus, que o Filho é Deus, contudo faz uma distinção entre o Filho e o Pai, para que ninguém possa dizer que o Filho é o Pai. João declara que o Verbo encarnado tornou Deus conhecido. Veio para revelar o Pai. O verbo grego que emprega é exegesato, de onde vem nossa palavra exegese. Podemos assim dizer que Jesus é a EXEGESE DE DEUS. Nem Abraão, o amigo de Deus, nem Moisés, com quem o Senhor tratava face a face, puderam ver a glória divina em sua plenitude.
Contudo, a glória que nem Abraão nem Moisés puderam ver, agora foi apresentada a nós em Jesus. Só Jesus pode nos tomar pela mão e nos levar a Deus. Ninguém pode ir ao Pai senão por ele. Ninguém pode conhecer o Pai senão através de sua revelação. Deus outrora nos falou muitas vezes, de muitas maneiras, mas agora ele nos fala pelo seu Filho. Em Jesus habita corporalmente toda a plenitude da divindade. Ele é a imagem do Deus invisível. Ele é o resplendor da glória, a expressão exata do ser de Deus. Jesus é a exegese de Deus. Quem o vê, vê o Pai, pois ele e o Pai são um.
Jesus pode ser o revelador de Deus por três razões: Primeiro, porque ele é único. A palavra grega usada é monogenes, “unigênito”. Jesus é o único que pode trazer Deus às pessoas e levar as pessoas a Deus. Segundo, porque ele é Deus. Ele é Deus da mesma substância do Pai. Vê-lo é o mesmo que ver Deus. Terceiro, porque ele está no seio do Pai. Esse termo era usado para o relacionamento estreito do filho com a mãe, do marido com a esposa (Is 62.5; Ct 4.8).
CONCLUSÃO: Tudo que João escreveu neste prologo, Atanásio, Bispo de Alexandria (século IV), usou para escrever seu Credo.
Aquele que quiser ser salvo, antes de tudo deverá ter a verdadeira fé cristã. Aquele que não a conservar em sua totalidade e pureza, sem dúvida perecerá eternamente. E a verdadeira fé cristã é esta: que honremos um único Deus na Trindade e a Trindade na Unidade, não confundido as pessoas nem dividindo a sustância divina. Pois uma é a pessoa do Pai, outra a do Filho e outra a do Espírito Santo; mas o Pai, o Filho e o Espírito Santo são um único Deus, iguais em glória e majestade eterna. Qual o Pai, tal o Filho, tal o Espírito Santo. O Pai é incriado, o Filho é incriado, o Espírito Santo é incriado. O Pai é incomensurável, o Filho é incomensurável, o Espírito Santo é incomensurável. O Pai é eterno, O Filho é é eterno, o Espírito Santo é eterno. Contudo, não são três Eternos, mas um único Eterno. Do mesmo modo, não três Incriados, nem três Incomensuráveis, mas um único Incriado e um único incomensurável.
Da mesma maneira, o Pai é todo-poderoso, o Filho é todo-poderoso, o Espírito Santo é todo-poderoso; contudo, não são três Todo-poderosos, mas um único Todo-poderoso. Assim, o Pai é Deus, o Filho é Deus, o Espírito Santo é Deus; todavia, não são três Deuses, mas um único Deus. Deste modo, o Pai é Senhor, o Filho é Senhor, o Espírito Santo é Senhor; entretanto, não são três Senhores, mas um único Senhor. Visto que, segundo a verdade cristã, nos importa confessar cada pessoa por sua vez como sendo Deus e Senhor, é-nos proibido pela fé cristã dizer que há três Deus e três Senhores. O Pai por ninguém foi feito, nem criado, nem gerado. O Filho provém apenas do Pai, não foi feito, nem criado, mas gerado. O Espírito Santo não foi feito, nem criado, nem gerado pelo Pai pelo Filho, mas deles procede. Logo, é um único Pai, não são três Pais; um único Filho, não três Filhos; um único Espírito Santo, não três Espíritos Santos. E nesta Trindade nenhuma pessoa é anterior ou posterior, nenhuma maior ou menor, Mas todas as três pessoas são co-eterna e iguais entre si; de modo que, como foi dito, em tudo seja honrada a Trindade na Unidade e a Unidade na Trindade. Portanto, quem quiser ser salvo, deverá pensar assim da Trindade. Entretanto, é necessário para a salvação eterna crer também fielmente na humanação de nosso Senhor Jesus Cristo. Esta é, portanto, a fé verdadeira: crermos e confessarmos que nosso Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus, é Deus e Homem. É Deus da substância do Pai, gerado antes dos tempos, e Homem da substância de sua mãe, nascido no tempo; Deus perfeito e Homem perfeito, subsistindo em alma racional e carne humana. Igual ao Pai segundo a divindade e menor do que o Pai segundo a sua humanidade. Ainda que é Deus e Homem, nem por isso são dois, mas um único Cristo. Um só, não pela transformação da divindade em humanidade, mas mediante a recepção da humanidade na divindade. É, de fato, um só, não pela fusão das duas substâncias, mas por unidade de pessoa. Pois, assim como corpo e alma racional constituem um único homem, Deus e homem é um único Cristo, o qual padeceu pela nossa salvação, desceu ao inferno, no terceiro dia ressuscitou dos mortos. Subiu ao céu, está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso, donde há de vir a julgar os vivos e os mortos. E quando vier, todos os homens hão de ressuscitar com os seus corpos e dar contas de seus próprios atos, E aqueles que fizeram o bem irão para a vida eterna, mas aqueles que fizeram o mal, para o fogo eterno. Esta é a verdadeira fé cristã. Aquele que não crer com firmeza e fidelidade, não poderá ser salvo.